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FAMÍLIA E SUCESSÕES
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IMOBILIÁRIO
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Pedido informal de dados do Coaf viola direitos e jurisprudência de STF e STJ
As comunicações entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e integrantes do Ministério Público ou da polícia só podem ser feitas por meios formais, conforme determina a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
Mesmo assim, a troca informal de dados entre órgãos continua frequente, o que viola direitos dos cidadãos e diminui a qualidade das investigações, segundo especialistas no assunto ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Em depoimento prestado a senadores na Comissão Parlamentar de Inquérito das Bets, em 26 de novembro, o delegado de Polícia Civil do Distrito Federal Erik Salum explicou que, em grandes investigações, autoridades policiais falam diretamente com servidores do Coaf.
“O Coaf gera o relatório de inteligência financeira (RIF) automaticamente se tiver até 800 comunicações. Se tiver acima de 800 comunicações, o sistema automático trava, de tanta comunicação que é. Aí o delegado precisa ligar (para o Coaf) e falar: ‘Olha, me dá uma ajuda aqui, me direciona, para eu tentar selecionar o que você quer’.”
Comunicação ilegal
Os especialistas ouvidos pela ConJur dizem que esse tipo de comunicação direta entre delegado e analista do Coaf é ilegal. O criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), ressalta que o Plenário do STF já deixou claro que qualquer comunicação entre autoridades e Coaf deve ser formal e pelos meios institucionais existentes (Recurso Extraordinário 1.055.941). “Os ministros foram taxativos em rechaçar pedidos informais de dados”, disse o advogado.
Na ocasião, o STF aprovou a seguinte tese (Tema 990 de repercussão geral):
1) É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF (Unidade de Inteligência Financeira, nome antigo do Coaf) e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional;
2) O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
De acordo com Bottini, é preciso aprovar com urgência um marco legal para o tratamento de dados no campo da segurança pública. “As lacunas que hoje existem geram insegurança para os cidadãos e para as autoridades, que têm dificuldade para definir suas estratégias de atuação diante de regras imprecisas e interpretadas de maneira contraditória pelo Judiciário.”
Os advogados André Callegari e Marília Fontenele, professores de Direito Penal do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), também apontam que não é legítimo o compartilhamento de RIF pelo Coaf com delegados antes da instauração do inquérito, mesmo que já exista procedimento preliminar para apuração de suposto crime. Isso de acordo com jurisprudência recente da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (Recursos em Habeas Corpus 188.838 e 187.335 e Reclamação 70.191).
“Em seu novo posicionamento, o STJ entende que, embora o procedimento prévio de apuração tenha alguma formalidade, ele não preenche — e esse é o ponto nevrálgico — o requisito de investigação formal utilizado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 990 para autorizar o compartilhamento de informações”, destacam Callegari e Marília.
Os criminalistas ressaltam que a regulamentação do uso da notícia de fato, feita pelo Conselho Nacional do Ministério Público por meio da Resolução 147/2017, reforça essa conclusão. A norma estabelece que, ao receber a notícia de fato, o membro do MP pode colher informações preliminares imprescindíveis para deliberar sobre a instauração do procedimento próprio, sendo vedada a expedição de requisições.
“Ora, se o Ministério Público não pode, em notícia de fato, fazer requisições, a autoridade policial, por óbvio, que serve apenas para municiar o titular da ação penal, não poderá requisitar informações ao Coaf”, avaliam os advogados.
Confusão jurisprudencial
Na visão do advogado Alberto Zacharias Toron, professor de Direito Processual Penal da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), as recentes alterações na jurisprudência do Supremo tornaram o cenário da requisição direta de RIF ao Coaf por delegados “uma espécie de festa do caqui”.
“É possível fazer uma verdadeira pescaria — isso que os americanos chamam de fishing expedition — simplesmente prospectando dados. O delegado tem uma suspeita, pede um RIF e a partir daí inicia a investigação. Isso viola direitos básicos do cidadão quanto à sua intimidade. E só poderia ser feito pela via judicial.”
O STF decidiu, em 2019, que o Coaf pode enviar essas informações de ofício. Hoje, a corte está dividida quanto à possibilidade de polícias e Ministério Público fazerem uma requisição dessas informações. A 1ª Turma entende que esse compartilhamento é válido, sem qualquer necessidade de passar por controle prévio do Judiciário. Já a 2ª Turma diz que o envio de informações depende de autorização do juiz competente.
“Ao se estabelecer a possibilidade de o delegado requisitar ou pedir RIF diretamente, adentra-se um campo da informalidade onde tudo é possível, inclusive pesquisar inimigos e autoridades politicamente expostas, como já se tentou fazer no passado. É por isso que eu penso que o Supremo deve rever a sua jurisprudência, na linha do que tem decidido a 2ª Turma”, analisa Toron.
Efeitos da divergência
A divergência entre as turmas do STF reverbera com força no Superior Tribunal de Justiça. A princípio, a corte interpretou o compartilhamento de “RIFs por encomenda”, sem prévia autorização judicial, como ilícito, orientação que já varia por causa do Supremo.
O impacto disso não é baixo. Em dez anos, o Coaf aumentou em 1.339,4% o número de RIFs produzidos por iniciativa das Polícias Civil e Federal e do Ministério Público. Em 2023, o órgão elaborou e entregou uma média de 38 relatórios por dia.
Presidente do Coaf, Ricardo Liáo disse à ConJur que esse embate exige que o Supremo estabeleça quais são os requisitos mínimos, máximos ou básicos a serem observados nas demandas oriundas das autoridades de investigação.
O risco, conforme apontado por especialistas, é que Coaf e Receita se tornem repositórios de informações e permitam a prática de pesca probatória (fishing expedition)._
Juiz condena trabalhador a pagar multa por litigância de má-fé por mentir sobre dispensa
O juiz Jorge Antonio dos Santos Cota, da Vara do Trabalho de Itatiba (SP), decidiu condenar um trabalhador a pagar multa por litigância de má-fé mesmo ele tendo recebido o benefício da Justiça gratuita.
Na ação, o trabalhador pedia o reconhecimento da nulidade de seu pedido de demissão, com reversão para rescisão de contrato sem justa causa, por iniciativa da empresa.
No decorrer do processo, contudo, a empresa conseguiu comprovar que o ex-empregado tinha pedido demissão por ter sido contratado por outra empresa. Ao decidir, o magistrado apontou a improcedência do processo e aplicou multa ao empregado por litigância de má-fé.
Além de mentir sobre a suposta dispensa por justa causa, o ex-funcionário também fez falsas acusações à empresa, além de agir de modo temerário para alterar a verdade dos fatos no decorrer do processo.
“Com arrimo no artigo 791-A, caput e parágrafo 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho, com a redação dada pela ADI número 5766, do Excelso Supremo Tribunal Federal, condeno o(a) Reclamante a pagar ao patrono do (a) Reclamado(a) honorários sucumbenciais arbitrados em 10% (dez por cento) incidente sobre o valor atribuído à causa, ora fixados em R$ 5.534,38 (cinco mil, quinhentos e trinta e quatro reais e trinta e oito centavos)”, registrou ao condenar o trabalhador.
Atuou em favor da empresa o advogado Fernando Molino, sócio do escritório LDG Advogados. _
Novidades na admissibilidade do recurso de revista
Faltando pouco menos de um mês para o recesso forense, uma nova resolução editada pelo Plenário do Tribunal Superior do Trabalho (TST) alterou a sistemática recursal trabalhista com o intuito de evitar que decisões contrárias à jurisprudência vinculativa daquela Corte de Vértice sejam proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs).
Trata-se da Resolução nº 224, de 25 de novembro de 2024 [1], que ao modificar a Instrução Normativa n° 40, de 15 de março de 2016 [2], passou a dispor, de forma inédita, sobre nova hipótese de cabimento de agravo interno em caso de admissibilidades negativas de recursos de revistas pelos TRTs. É importante ressaltar que tais novidades procedimentais trazidas por essa resolução administrativa já passarão a viger para as decisões de admissibilidade recursal publicadas a partir de 28 de dezembro de 2024.
Por certo, considerando que este assunto irá impactar toda a advocacia trabalhista para o ano de 2025, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista desta ConJur [3], razão pela qual agradecemos o contato.
Lição de especialista
De início, quanto à classificação recursal no âmbito do processo do trabalho, oportunos são os ensinamentos do Professor Mauro Schiavi [4]:
“Os recursos extraordinários não se destinam à correção dos erros de procedimento ou de julgamento, tampouco a justiça da decisão. Eles têm por objetivo a uniformização da interpretação da legislação Constitucional e Federal no âmbito da competência da Justiça do Trabalho.
No processo do trabalho, são de natureza extraordinária, os seguintes recursos: recurso de revista (art. 896, da CLT) e o recurso de embargos para o TST (art. 894, da CLT e da Lei 7.701/88).
Embora não seja um recurso trabalhista propriamente dito, o recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (art. 102, III, da CF) tem natureza extraordinária e também se destina a impugnar decisões de única ou de últimas instâncias proferidas pelos Tribunais Trabalhistas.”
Legislação trabalhista
Do ponto de vista normativo, o artigo 893 [5] e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) traz um capítulo específico de recursos, tratando expressamente, dentre outros apelos, do recurso de revista e do agravo de instrumento. Como se sabe, em razão de sua natureza extraordinária, o recurso de revista é demasiadamente técnico, tendo em vista que o principal papel do TST é de buscar a uniformização da jurisprudência trabalhista, de modo que para sua prévia admissibilidade pelos Tribunais Regionais se faz necessária a observância rigorosa de certos pressupostos processuais.
Para tanto, imprescindível o cumprimento de duas etapas: i) o Tribunal Regional local irá verificar se o recurso de revista atende aos pressupostos legais mínimos, para que seja dado seguimento ao apelo, para que haja o seu julgamento pela Corte Superior; e ii) se a Corte local entender que o apelo não apresenta tais pressupostos processuais, o recurso de revista terá então obstado o seu seguimento, de modo que contra essa decisão denegatória tradicionalmente a parte se valia da figura do agravo de instrumento, que é um recurso próprio para o destrancamento em particular da revista.
Dados estatísticos
A propósito, das decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho que denegam seguimento aos recursos de revistas, aproximadamente 93,88% são confirmadas pelo Tribunal Superior do Trabalho de acordo com um relatório disponibilizado em outubro de 2023 [6]. Aliás, recentemente, o TST inaugurou a Secretaria de Admissibilidade Recursal, que integra a Secretaria-Geral de Gestão de Processos, visando justamente reduzir o volume de processos por meio do mapeamento de temas que chegam àquele tribunal [7].
Resolução nº 224, de 25 de novembro de 2024
A partir desta nova resolução, no caso de o TRT não admitir (parcial ou totalmente) o recurso de revista, diferentemente do que acontecia até então quando se exigia apenas a interposição do recurso de agravo de instrumento, doravante serão adotadas medidas diversas, nos termos do artigo 1º-A:
“Art. 1°-A Cabe agravo interno da decisão que negar seguimento ao recurso de revista interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, exarado nos regimes de julgamento de recursos repetitivos, de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência, de acordo com os arts. 988, § 5°, 1.030, § 2°, e 1.021 do CPC, aplicáveis ao processo do trabalho, conforme art. 896-B da CLT.
1º Havendo no recurso de revista capítulo distinto que não se submeta à situação prevista no caput deste artigo, constitui ônus da parte impugnar, simultaneamente, mediante agravo de instrumento, a fração da decisão denegatória respectiva, sob pena de preclusão.
2º Na hipótese da interposição simultânea de que trata o parágrafo anterior, o processamento do agravo de instrumento ocorrerá após o julgamento do agravo interno pelo órgão colegiado competente.
3º Caso o agravo interno seja provido, dar-se-á seguimento, na forma da lei, ao recurso de revista quanto ao capítulo objeto da insurgência; na hipótese de o agravo interno ser desprovido, nenhum recurso caberá dessa decisão regional.
4º As reclamações fundadas em usurpação de competência do Tribunal Superior do Trabalho ou desrespeito às suas decisões em casos concretos (CPC, art. 988, I e II) não se submetem ao procedimento estabelecido neste artigo, conforme expressa disposição do § 5º, II, do art. 988 do CPC.
5º As disposições contidas neste artigo aplicam-se às decisões de admissibilidade publicadas a partir do 30º dia após o início de sua vigência, que deverá ocorrer na data da publicação.”
Observe-se que, a partir do dia 28 de dezembro de 2024, se o recurso de revista não for admitido, mas a decisão regional atacada estiver em plena conformidade com a jurisprudência vinculante do TST — representada pelos precedentes proferidos nos julgamentos de incidentes de recursos repetitivos (IRR), de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e de assunção de competência (IAC) —, o novo recurso cabível será agora o de agravo interno, cujo julgamento será feito pelo próprio TRT, em órgão colegiado competente que, na ausência de previsão regimental, se entenderá pelo Plenário do TRT.
E após ser proferido julgamento pelo órgão colegiado competente do agravo interno, com a manutenção da decisão de admissibilidade negativa do recurso de revista, nenhuma outra irresignação recursal, em tese, caberá dessa decisão regional, tornando o pronunciamento irrecorrível.
E se fala “em tese”, pois a própria Resolução nº 224/2024 fez questão de excepcionar o uso das reclamações direcionadas ao Tribunal Superior do Trabalho, as quais, por terem natureza de ação, e não de recurso, podem ser manejadas pela parte recorrente, seguindo a sistematização processual prevista no artigo 988 e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), caso persista o desrespeito à aplicação de precedente vinculativo do TST.
Em sentido oposto, para todas as demais hipóteses de admissibilidade negativa do recurso de revista pelos Tribunais Regionais, naturalmente fica mantido o uso do agravo de instrumento, na forma de sua regulamentação já prevista pela Instrução Normativa nº 40 do TST, de 15 de março de 2016.
Mais a mais, outra grande novidade trazida pela Resolução nº 224/2024 é a interposição simultânea de dois recursos de agravos, isto é, a partir do dia 28.12.2024, a depender do conteúdo da decisão denegatória, a parte terá que interpor agravo interno, para a fração em que o parâmetro de confronto seja uma temática inserida no sistema de precedentes vinculativos do TST, e de agravo de instrumento para os demais temas sob pena de preclusão.
Eventual equívoco na interposição dos recursos de agravos (interno e/ou de instrumento), por certo não será tido como erro justificado, não se aplicando aqui o princípio da fungibilidade recursal, conferindo-se inegável prejuízo à parte que não estiver adequadamente representada em juízo por advogado(a) ciente dos respectivos termos da atual resolução administrativa.
E neste novo cenário de interposição simultânea de agravos pela parte, o processamento do agravo de instrumento ocorrerá após o julgamento do agravo interno pelo órgão colegiado competente do TRT (leia-se, o Plenário do Tribunal Regional, salvo de houver futura previsão regimental em sentido oposto), isso para evitar que o processo não seja desmembrado.
De resto, impende destacar que, de acordo com o artigo 22, I, da Constituição [8], a competência privativa para legislar sobre o direito do trabalho é exclusiva da União, e, nesse sentido, a validade da Resolução nº 224, de 25 de novembro de 2024, poderá vir a ser objeto de discussão judicial junto ao Supremo Tribunal federal (STF).
Conclusão
A par do exposto, verifica-se que esta nova sistematização recursal é muito impactante para a advocacia trabalhista que lida diariamente perante os tribunais, lembrando ser praxe que a maioria dos recursos de revistas que chegam no TST, em Brasília, são originários de agravos de instrumentos.
Por isso que, em arremate, tal novidade eminentemente prática é por demais significativa, de sorte que o ano de 2024 se encerra trazendo um imenso desafio para todo o Poder Judiciário Trabalhista que terá, em tempo recorde, que se adaptar internamente para implementar tal metamorfose procedimental, exigindo da advocacia uma imediata atualização profissional.
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[1] Disponível aqui. Acesso em 02.12.2024.
[2]Disponível aqui. Acesso em 02.12.2024.
[3] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela Coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[4] Manual de Direito Processual do Trabalho – 17. Ed. ver., atual. e ampl. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021. Página 932.
[5] Disponível aqui. Acesso em 03.12.2024.
[6] Disponível aqui. Acesso em 03.12.2023.
[7] Disponível aqui. Acesso em 03.12.2024.
[8] CF, Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho._
Ataque hacker não exclui responsabilidade por proteção de dados, diz STJ
O tratamento de dados pessoais configura-se irregular quando deixa de fornecer a segurança que o titular poderia esperar, consideradas as circunstâncias relevantes do caso.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça confirmou que a Enel tem responsabilidade pelo vazamento de dados não sensíveis de uma consumidora, após um ataque hacker.
O consumidor teve exposto nome completo, números de RG e CPF, endereço, endereço de e-mail e telefone. A ação foi ajuizada para cobrar indenização da empresa, que à época se chamava Eletropaulo.
A Enel, por sua vez, apontou que o ataque hacker é ato de terceiro apto a justificar a excludente de responsabilidade, conforme prevista no artigo 43, inciso III da Lei Geral de Proteção de Dados.
Quando analisou o caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a responsabilidade da empresa, mas não vislumbrou violação à dignidade humana da consumidora, já que os dados expostos não são sensíveis, mas de fácil acesso.
O TJ-SP afastou a condenação ao pagamento de indenização, mas impôs que a Enel apresentasse informação das entidades com as quais fez uso compartilhado dos dados, fornecendo declaração completa que indique sua origem, registro e critérios.
Responsabilidade existente
Essa obrigação é uma possibilidade que consta do artigo 19, inciso II da LGPD. Ao analisar o caso, o relator do recurso especial, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, decidiu manter as conclusões do tribunal de apelação.
Ele destacou que a Emenda Constitucional 115/2022 elevou a proteção de dados e inaugurou um novo capítulo sobre o tema no ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, explicou que a Enel, por se enquadrar na categoria dos agentes de tratamento de dados, tinha a obrigação legal de tomar todas as medidas de segurança esperadas para que as informações fossem protegidas em seus sistemas.
Isso significa atender a requisitos de segurança e padrões de boas práticas e governança, além de princípios gerais previstos na LGPD e nas demais normas complementares. A ocorrência do ataque hacker mostra uma falha da empresa.
“O tratamento de dados pessoais configura-se irregular quando deixa de fornecer a segurança que titular poderia esperar, consideradas circunstâncias relevantes do caso”, apontou. A votação na 3ª Turma foi unânime._
Tese do STJ sobre tráfico armado evita presunção de crimes autônomos
Ao estabelecer que o crime de posse de arma de fogo é absorvido pelo de tráfico de drogas se o uso do armamento tiver como objetivo garantir o sucesso da traficância, o Superior Tribunal de Justiça evita a presunção de que crimes autônomos estejam ocorrendo.
Essa posição é importante para evitar a excessiva penalização dos traficantes armados, mas não impede nem dificulta que eles sejam punidos pelos dois crimes: basta que o Ministério Público comprove que o réu tinha o propósito autônomo de portar uma arma de fogo.
A preocupação permeou o julgamento do tema pela 3ª Seção do STJ, que fixou tese sob o rito dos recursos repetitivos. Na prática, a conclusão apenas ratificou a jurisprudência que já estava pacificada sobre o tema.
Se a arma de fogo é apreendida no contexto do tráfico, ela não gera o crime autônomo do Estatuto do Desarmamento. Incidirá apenas a majorante da pena prevista no artigo 40, inciso IV, da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).
A votação foi unânime, conforme posição do relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Ao acompanhá-lo, o ministro Rogerio Schietti destacou que a ocorrência de ambos os crimes em concurso material vai depender da capacidade probatória do Ministério Público.
Isso porque o crime de posse ilegal de arma é cometido, por exemplo, por alguém que mantém esse armamento em casa. Então, ele só será absorvido pelo tráfico de drogas quando o MP não conseguir demonstrar que a arma era usada antes do momento da traficância.
Para o ministro Schietti, em boa parte dos casos será provável que existam duas condutas a serem punidas separadamente. Só não será possível presumir uma delas. Em sua opinião, o MP tem condições de provar que a pessoa tinha o propósito de ter a arma.
“O STJ não está simplesmente contestando uma benevolência para quem trafica armado, porque a lei diz que essa conduta é mais gravosa. É importante que sinalizemos que aquele que está armado deve ser punido por tal conduta, ainda que eventualmente utilize a arma para o tráfico. Aí serão duas condutas a serem punidas separadamente.”
Presunção indevida
Sem essa prova, o juiz não deve presumir que a arma é autonomamente utilizada. Isso evita a ocorrência do concurso formal de crimes, com a soma da pena de ambos no momento da dosimetria.
Outro risco na discussão da tese foi apontado por membros das Defensorias Públicas que participaram do julgamento. Ele diz respeito à possibilidade de o tribunal considerar a absorção do crime de posse só nos casos em que a arma é usada em aberto pelo traficante.
Para Rafael Raphaelli, da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, isso faria com que somente traficantes com fuzis ostensivamente apresentados, ligados a facções criminosas, tivessem o benefício da absorção de um crime pelo outro.
Traficantes menos estruturados ou mais discretos responderiam pelas duas condutas, “mesmo todo mundo sabendo ser plausível que quem se envolve no tráfico de drogas possa ter uma arma para defesa da mercancia ilícita”, segundo o defensor.
Adriana Patrícia Campos Pereira, da Defensoria Pública de Minas Gerais, que sustentou oralmente como amicus curiae (amiga da corte) em nome do Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas (Gaets), seguiu linha parecida. Ela apontou que o indivíduo que porta a arma e a tem em depósito, mas sem exibi-la durante o tráfico, teria uma pena maior do que aquele que efetivamente a apresenta a usuários, adversários, rivais etc., o que criaria uma situação paradoxal.
“A situação que acontece na maioria das vezes nesses casos de tráfico de drogas é estarem ausentes quaisquer indícios da prática autônoma de outros crimes. Aplicar o concurso material é o mesmo que admitir a presunção de que o indivíduo está cometendo outros crimes (com a arma).”_
CVM decide absolver ex-CEO da Americanas por divulgação de “inconsistências contábeis”
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) absolveu, durante a sessão desta terça-feira (3/12), o ex-CEO da Americanas Sergio Rial de duas acusações de ter descumprido regras de divulgação de dados relevantes de companhias abertas, por ter anunciado “inconsistências contábeis” no balanço da empresa. Na mesma sessão, o ex-diretor de Relações com Investidores da varejista foi condenado a pagar multa de R$ 340 mil. O relator do processo administrativo sancionador, diretor Daniel Maeda, votou pela condenação de Rial a pagar multa de R$ 340 mil por ter exposto, em teleconferência no dia 12 de janeiro de 2023, informações importantes. O presidente da CVM, João Pedro Nascimento, também votou pela condenação.
Os diretores João Accioly e Otto Lobo, contudo, votaram pela absolvição de Rial, por ele ter renunciado ao cargo um dia antes. A diretora Marina Carvalho se declarou impedida de julgar, e o placar ficou empatado, prevalecendo a posição mais favorável ao acusado.
Rial também foi absolvido, desta vez por unanimidade, de expor de maneira “incompleta e consistente” números da dívida financeira da empresa em teleconferência.
Segundo o advogado David Rechulski, que conduziu a defesa de Sergio Rial, a absolvição proferida pelo Colegiado da CVM representa ao final um resultado justo ao reconhecer que o denunciante de boa-fé atuou dentro da legalidade. Além disso, a absolvição de Rial representa uma mensagem coerente ao mercado de capitais e um incentivo concreto ao whistleblowing, favorecendo a transparência e a retidão na atuação em companhias de capital aberto._
STJ afasta custas em embargos de terceiro que perderam objeto sem citação
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça afastou a cobrança de custas processuais em embargos de terceiro que foram extintos por perda de objeto após a parte embargada desistir da penhora de um imóvel. De acordo com o colegiado, a exigência do pagamento seria inadequada, uma vez que o embargado nem sequer foi citado nos autos, e o embargante, por outro lado, teve seu patrimônio restringido de forma indevida.
Na origem do caso, a desistência da penhora na ação principal levou o juízo de primeiro grau a extinguir os embargos de terceiro, impondo ao embargante a obrigação de arcar com as custas processuais, sem arbitramento de honorários advocatícios.
Ele apelou ao Tribunal de Justiça de São Paulo, mas a sentença foi mantida sob o fundamento de que a desistência se deu antes da citação nos embargos de terceiro, o que indicaria falta de resistência à pretensão do embargante. Com base no princípio da causalidade, a corte estadual avaliou que esse fato afastaria a possível atribuição de encargos sucumbenciais ao embargado.
Ao STJ, o embargante alegou, entre outros pontos, que o autor da ação principal deveria arcar com os ônus sucumbenciais dos embargos, pois foi a penhora injusta que motivou a sua oposição.
Sucumbência
A ministra Nancy Andrighi, relatora na Terceira Turma, explicou que, se os pedidos feitos nos embargos de terceiro forem julgados improcedentes, o embargante responderá pelos ônus sucumbenciais, em virtude do princípio da sucumbência (quem perdeu paga). Caso contrário, continuou, o julgador precisará analisar o contexto sob a ótica do princípio da causalidade (quem deu causa ao processo é que paga).
Segundo a ministra, esse mesmo princípio deve ser observado na hipótese de perda do objeto dos embargos de terceiro em razão de desistência da penhora nos autos principais. Nesse caso, a ministra afirmou que a parte que deu causa ao processo deve arcar com os ônus sucumbenciais.
No entanto, Nancy Andrighi alertou que a situação em análise é peculiar, pois a parte embargada não chegou a ser citada nos autos dos embargos de terceiro. “Não se revela razoável imputar à embargada o dever de arcar com os ônus sucumbenciais de processo do qual nem sequer era parte. Por outro lado, tampouco revela-se razoável imputar a referida obrigação à parte embargante, vítima de aprisionamento material indevido de seu patrimônio, se por um comportamento seu não deu causa à constrição”, destacou.
A relatora observou ainda que esse entendimento foi adotado em julgados do STJ regidos pelo Código de Processo Civil (CPC) de 1973, porém segue válido sob o CPC/2015.
“Nesse contexto, merece reforma o acórdão recorrido, pois, na hipótese de desistência da penhora anterior à citação da parte embargada, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito em virtude da perda superveniente do objeto, mas sem qualquer condenação em ônus sucumbenciais”, concluiu a ministra ao dar parcial provimento ao recurso especial. Com informações da assessoria de comunicação do STJ._
O Cejul (Centro Nacional de Julgamento de Penalidades Aduaneiras) completou recentemente um ano de funcionamento e, este marco, certamente merece ser objeto de apreciação.
No ano passado, publicamos artigo debatendo sobre a criação do órgão e os possíveis cenários em relação ao futuro da discussão sobre a aplicação da pena de perdimento e da efetividade das novas normas correlatas. Passado um ano de instauração do Cejul, parece pertinente analisar os resultados produzidos até aqui e verificar, de fato, onde estamos com relação ao tema.
Sobre o Cejul
O Cejul nasceu a partir da iniciativa da Receita de buscar adequação às normas e diretrizes contidos nos acordos internacionais sobre facilitação do comércio, principalmente, a Convenção de Quioto Revisada (CQR), que impõe a necessidade de duplo grau de jurisdição para o julgamento de recursos administrativos em matéria aduaneira.
Pautada nesta exigência, a Administração criou um novo tribunal especificamente designado para julgar casos de pena de perdimento de mercadorias, veículos e moeda, o que levou à alteração do rito previsto no então Decreto-Lei nº 1.455/76 e criação da Lei nº 14.651/2023.
Diante dessas mudanças, e avaliando as implicações legais e práticas do novo rito, nos posicionamos de forma reticente quanto ao potencial benefício e legalidade do Cejul. Isto porque, em síntese, nos preocupava — e ainda preocupa — o fato de que o duplo grau, ainda que implementado, não teria independência funcional e hierárquica adequada, já que constituído dentro da estrutura da aduana (autoridade fiscalizatória) e composto unicamente por auditores-fiscais.
Não obstante, quando da publicação do artigo original, ressalvamos que nosso posicionamento era estritamente legal e pautado em preocupações, já que, naquele momento, não se poderia concluir se os recursos apresentados ao Cejul seriam, de fato, “ilusórios” ou se a corte funcionaria de forma adequada e capaz de endereçar os problemas relacionados à matéria com independência e tecnicidade.
Um ano depois: onde estamos?
Pois bem. Em novembro de 2024 o Cejul completou um ano de funcionamento e, com isso, tem-se a oportunidade de avaliar seu desempenho e atividades de forma a validar ou rechaçar as preocupações e cenários anteriormente aventados.
Na semana passada, a Receita realizou um evento bastante completo para comemoração da data, no qual diversos auditores-fiscais, membros e não-membros do Cejul palestraram, além de alguns convidados. Nesta oportunidade, foram apresentadas as estatísticas de julgamento, as quais são um ponto de partida interessante para a presente análise. [1]Segundo os dados apresentados, em seu primeiro ano de funcionamento o Cejul proferiu mais de 1.000 decisões, considerando o órgão como um todo. Destas, cerca de 90% das decisões de primeira instância, realizadas monocraticamente pela Equipe Nacional de Julgamento (Enaj), mantiveram as autuações de perdimento.
Já as Câmaras Recursais, nos julgamentos de segunda instância, apresentam resultados um pouco mais flexíveis, com cerca de 19% de provimento dos recursos para afastamento das penas de perdimento.
Balanço anual
Sobre esses dados, pode-se tecer conclusões positivas e negativas. A positiva é que, as Câmaras Recursais têm revertido uma quantidade significativa de decisões e, assim, afastado autos de infração.
O número talvez esteja aquém do que se esperaria, mas é, sem dúvidas, muito superior ao que se verificava nos processos regidos pelo rito anterior. O aumento no número de decisões favoráveis aos operadores, a nosso ver, não se dá apenas pela existência de uma instância a mais, mas pelo fato de que o órgão colegiado conta com alguns auditores experientes e especializados na área.
Por outro lado, as estatísticas revelam que a criação e a atuação do Cejul não reduziram a judicialização da matéria. Pelo contrário. Ainda que seja difícil mensurar com exatidão a quantidade de ações movidas para discussão de perdimento na esfera judicial, principalmente em primeira instância, é pública a informação de que os Tribunais Regionais Federais (TRFs) julgaram, nos últimos 12 meses, 12% mais processos sobre a matéria do que em relação ao período anterior e 18% a mais do que há dois anos atrás.
Outro ponto que chama a atenção é a disparidade entre os percentuais de manutenção de autos de infração em primeira instância, pela Enaj, e em segunda instância, pelas Câmaras Recursais. Essa situação se torna especialmente grave pelo fato de que a Lei n. 14.651/2023 autoriza a destinação de mercadorias e veículos após a decisão de primeira instância.
Ou seja, o cumprimento literal da legislação está permitindo a destinação indevida de parcela significativa de mercadorias e veículos. E para quem acha que essa situação pode, posteriormente, ser devidamente remediada está enganado, visto que o que o Regulamento Aduaneiro chama de “indenização” é tão somente o pagamento, pela Fazenda Nacional, do valor aduaneiro declarado para fins de início do despacho [2]. Ou seja, não há qualquer compensação pela destinação indevida e pelos prejuízos causados indevidamente ao particular, apenas a correção pela Selic, contada da data da apreensão.
Na prática, isso significa que todas as partes que tiveram a autuação afastada em última instância pelo Cejul ainda assim saíram perdendo, já que o valor a ser recebido em caso de destinação indevida é inferior e insuficiente para neutralizar as adversidades econômico-financeiras sofridas com a apreensão de produtos essenciais à atividade empresarial e, principalmente, para cobrir os valores de que foram ilegalmente privados.
Preocupações atuais
Durante o evento de celebração promovido pela Receita, chama a atenção a fala da chefia do Cejul, quando justifica a discrepância nos números de provimento em primeiro e segundo grau no fato de que o perdimento seria tratado de forma diversa em cada unidade e que auditores de muitas localidades não teriam experiências comparáveis. E, diante disso, conclui que foi necessário fazer um “nivelamento do conhecimento” dos julgadores ao longo deste primeiro ano de atuação do Centro.
Ora, esta fala, por si só, é preocupante e não apenas pelos prejuízos já mencionados. Ao verificar-se o que prevê a Portaria RFB nº 348/2023, que dispõe sobre o funcionamento do Cejul, é clara a disposição de que os julgadores “serão selecionados com fundamento na experiência profissional e na formação acadêmica”. Todavia, esta não parece ser a prática.
Conforme explicação dada durante o mencionado evento, os julgadores inicialmente designados para integrar o órgão eram auditores-fiscais da DRJ Belém, cedidos ao Cejul para que pudesse iniciar seu funcionamento. Ainda que não se possa afirmar que se trata de grupo sem conhecimento técnico ou capacidade adequada, é, no mínimo, curioso que, a Receita tenha considerado que a experiência profissional e formação acadêmica de julgadores lotados em localidade que não possui comércio exterior expressivo e que sequer é em um grande centro econômico parecia razoável.
Além disso, a quantidade de julgadores atualmente alocados para a Cejul parece ser insuficiente, já que têm sido necessárias nomeações ad hoc mensais de alguns auditores para atuação como julgadores temporários. Além disso, alguns dos julgadores permanentemente lotados no órgão vêm sendo forçados a exercer duplo papel e julgando, simultaneamente, processos em primeira e segunda instância.
Este último fato é igualmente preocupante, na medida em que as atas de julgamento da Câmara Recursal revelam diversas declarações de impedimento em razão de o julgador ter sido o relator da decisão monocrática. O efeito imediato dessa situação é a aparente ausência de independência entre a primeira e segunda instância, além da necessidade de haver a constante redução na quantidade de julgadores em razão da abstenção obrigatória do julgador originário — ainda que dentro do quórum mínimo exigido –, o que pode acabar comprometendo a qualidade do debate.
Por fim, acreditamos que o maior problema do Cejul seja a falta de transparência. Afinal, as decisões não são publicas e os fundamentos não estão acessíveis à comunidade. Além disso, sequer é possível cruzar as informações das atas com o conteúdo das ementas, já que a numeração e o formato são incompatíveis. Essas questões afetam diretamente a legitimidade do Órgão, além de abrirem espaço para contestações sobre a sua independência.
A respeito disso, inclusive, chama a atenção outra fala da chefia do Cejul, sobre a governança da Receita Federal e de que a Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) é quem “daria a palavra”, no sentido de ser o órgão é quem dita interpretação normativa e que esta sempre deveria prevalecer sobre eventuais opiniões divergentes.
Na fala mencionada, a submissão às ordens da Cosit é justificada para garantir uniformização, consenso, celeridade e eficiência. Não obstante, para o setor privado o sentimento que ela desperta é diametralmente oposto. Como se pode falar em independência se os julgadores são meros aplicadores de normas pensadas pela estrutura fiscalizatória?
O artigo 10.5 do Anexo Geral da CQR é categórico em dispor que “o requerente deverá ter um direito de recurso para uma autoridade independente da administração aduaneira”. No entanto, se todos os julgadores estão declaradamente vinculados ao entendimento da própria Administração Aduaneira, e há constante alocação de autores-fiscais em exercício como julgadores ad hoc, não parece existir outra conclusão que não seja a existência de dependência e parcialidade do Órgão em relação à Receita.
O que pode ser feito?
Diante de tudo que foi exposto, e utilizando o artigo publicado em setembro de 2023 como base, não parece justo concluir que o Cejul é um mero artifício da Administração ou que seria uma “cortina de fumaça jurídica”. Há de se reconhecer e valorizar o empenho empreendido pela equipe dedicada ao Órgão para, apesar das adversidades, fazer com que o Centro prospere e evolua.
Apesar disso, a versão atual está longe de refletir o cumprimento das obrigações internacionais pelo Brasil, fazendo com que persista a insegurança jurídica de outrora.
Nestes termos, cabe repisar o que tratamos no passado como cenário/alternativa ideal: a necessidade de que a comunidade do comércio exterior não desista de debater a temática e que continue a negociar e discutir possíveis caminhos para efetivamente compatibilizar os procedimentos internos com as obrigações assumidas pelo Brasil em compromissos internacionais, em especial, a CQR.
O balanço deste primeiro ano de existência do Cejul permite algumas sugestões, a exemplo da mudança do órgão para a estrutura do Ministério da Fazenda, separando-o da Receita — o que traria não só a independência necessária, nos moldes já utilizados pelo Carf, como resolveria os atuais problemas de orçamento e estrutura.
Outra sugestão seria a modificação para tornar o órgão paritário, envolvendo julgadores advindos e indicados pelo setor privado. Esta alternativa remediaria os problemas de legitimidade atualmente enfrentados, bem como resolveria as dificuldades com pessoal, tornando possível separar os julgadores de primeira e segunda instâncias e evitar as constantes convocações temporárias, que acabam por misturar aplicadores e julgadores de autuações.
Por fim, a medida mais fácil e urgente refere-se à publicação integral das decisões proferidas, de modo a garantir o devido respeito à Constituição [3] e à Lei nº 9.784/99 [4], e permitir, inclusive, que a qualidade técnica e a legalidade do trabalho que vem sendo realizado possam ser comprovadas e acompanhadas.
Sobre o futuro
Como mencionado pela chefia do Cejul, o órgão aparentemente veio para ficar. Talvez isso não seja, de todo, uma má notícia. O aumento do número de decisões favoráveis aos operadores e a possibilidade de recurso em dupla instância são, sim, vitórias já conquistadas, assim como saber que existem – ainda que em minoria — nomes consagrados do Direito Aduaneiro dentre os julgadores.
Há um ano, fazíamos um grande esforço para que o Cejul não nascesse ou prosperasse, dadas as preocupações e ilegalidades que o rodeavam. Passado esse tempo, a melhor alternativa talvez não seja continuar brigando pela sua extinção, mas por seu aprimoramento; pelo aumento da transparência, da paridade e da independência.
No Direito Aduaneiro nada vem fácil e as mudanças demoram — muitas vezes décadas —, mas o ano que está em vias de terminar vem mostrando que existe espaço para debater e negociar grandes projetos em prol de uma Aduana mais moderna e cooperativa.
É este o espírito que buscamos despertar: a necessidade de atores públicos e privados atuarem de forma coordenada para o avanço do comércio exterior e da conformidade — objetivo nobre, mas que necessita de engajamento (sobre o que falamos na última coluna) e concessões de ambos os lados.
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[1] Evento virtual transmitido pelo YouTube no seguinte link.
[2] RA art. 803-A: “Na hipótese de decisão administrativa ou judicial que determine a restituição de mercadorias que houverem sido destinadas, será devida indenização ao interessado, com recursos do Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização, tendo por base o valor declarado para efeito de cálculo do imposto de importação ou de exportação”.
[3] O inciso LX do art. 5º, da CF dispõe que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
[4] No âmbito da Lei n. 9.784/99, que trata do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, tem-se obrigação contida no §5º do art. 49-A de que as decisões colegiadas obedeçam “aos princípios da legalidade, da eficiência e da transparência”._
Lei que cria cadastro de criminosos sexuais é inconstitucional e ineficaz, dizem especialistas
Foi sancionada na última quinta-feira (28/11) a Lei 15.035/24, que determina a criação do Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais. O objetivo é montar um banco de informações aberto à consulta pública com dados de pessoas condenadas pelos crimes de estupro, estupro de vulnerável, registro não autorizado de relação sexual, favorecimento da prostituição e cafetinagem.
O sistema vai permitir que o público tenha acesso ao nome completo e ao número de Cadastro de Pessoa Física (CPF) do condenado em primeira instância. Caso o réu seja absolvido em instâncias recursais, suas informações não ficarão mais disponíveis para consulta pública.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou o trecho da lei que determinava que as informações no cadastro ficassem disponíveis para consulta pública pelo prazo de dez anos após o cumprimento integral da pena. O mandatário alegou que a medida é inconstitucional por violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do condenado.
A maioria dos especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico acredita que a lei é inconstitucional e que, além disso, não deve ajudar no combate efetivo a crimes sexuais. O jurista Lenio Streck é direto em sua avaliação sobre o novo regramento: “Matéria inconstitucional, a presunção de inocência é sagrada, direito fundamental. Observo que o presidente Lula foi uma das principais vítimas da aniquilação desse princípio. O Congresso jogou uma bola triangular ou espinhosa para o presidente. Deveria vetar. Mas pegaria mal politicamente. Como o projeto da saidinha. O Congresso faz ensaios e coloca o presidente nas cordas. Isso vai ser de novo resolvido no STF.”
Streck também acredita na pouca efetividade da lei: “Não existe qualquer elemento que diga que a nova lei vai diminuir a prática desse tipo de crime. Por que não criar um cadastro nacional de assaltantes? Ou um de golpistas do INSS?”.
O advogado Welington Arruda é outro que questiona a eficácia da lei. “A medida pode comprometer a ressocialização dos condenados, especialmente considerando que os dados serão de acesso público. A exposição permanente ou prolongada pode intensificar a marginalização desses indivíduos, dificultando sua reintegração social e, paradoxalmente, aumentando os riscos de reincidência.”
O paralelo mais óbvio com a Lei 15.035/24 é a Lei de Megan, aprovada nos Estados Unidos em razão do estupro e assassinato de uma menina de sete anos, Megan Kanka, por um homem chamado Jesse Timmendequas, que já havia sido preso por tentar estuprar duas crianças.
A norma determina que os estados americanos tenham um registro e um sistema de notificação sobre os criminosos sexuais. Cada estado é responsável por adotar um modelo de aplicação da lei e operação dos bancos de dados. A análise dos efeitos da lei, feita pela Universidade de Rutgers e pelo Departamento de Penas do estado de New Jersey, entretanto, aponta que ela falhou na redução de casos de crimes sexuais. Por isso, os críticos do regramento questionam também o custo de aplicação da lei — manter um banco atualizado sobre criminosos sexuais não se justifica, uma vez que não existem dados de que a medida seja eficaz.
Presunção de inocência
O advogado e professor Aury Lopes Jr. classifica a lei como “populista e absolutamente inconstitucional”. Ele explica que o regramento viola a presunção de inocência e impõe um estigma absurdo a alguém que não é definitivamente condenado, já que o nome é incluído no cadastro já após condenação em primeira instância.
“Mesmo que fosse depois do trânsito em julgado, não seria menos inconstitucional, pois viola o direito à imagem e a dignidade da pessoa humana. Por mais grave que seja o crime, o Estado não tem — legitimamente — o poder de humilhar e enxovalhar o condenado. Pode punir, para isso está a pena, mas não humilhar assim. Ademais, mesmo que fosse depois do trânsito em julgado, seria absolutamente incompatível com a promessa de ‘ressocialização’ que classicamente é usado como argumento de justificação da pena.”
O criminalista Rodrigo Faucz segue a mesma linha. “Eu acho muito difícil (a lei) servir para a prevenção de crimes sexuais, a não ser em situações bem restritas, como uso para escolas e algumas instituições que lidam com crianças, talvez seja interessante. Mas a lei tem uma falha extremamente grave que é a questão da constitucionalidade, da previsão de estar na lista a partir da decisão de primeira instância. Isso é um absurdo e viola diretamente o princípio da presunção de inocência.”
Luís Henrique Machado, por sua vez, cita que a lei poderia funcionar se fosse usada, por exemplo, por profissionais da rede hoteleira, para coibir esse tipo de crime nesses estabelecimentos. “Com a consulta pelos recepcionistas, poderia evitar a execução do crime no momento do check-in. Se fizer um trabalho integrado entre as Secretarias de Segurança Pública e o setor privado, os resultados podem ser benéficos para a sociedade”, sugere.
Um consenso entre os especialistas, contudo, é o impacto que integrar uma lista como essa pode ter na vida de alguém cuja condenação ainda não transitou em julgado.
“A pessoa pode ser condenada em primeira instância e pode ser absolvida em segunda. E eu acho muito ruim isso, porque tem consequências gravíssimas, como estigma e exclusão social da pessoa. Então, acho que isso tem de ser bem pensado, e nunca apenas após a condenação de primeira instância. Essa é a minha opinião e, sim, existe chance dessa lei vir a ser questionada quanto à sua constitucionalidade”, opina Alberto Toron._
Morte de cobrador por Covid-19 deve ser indenizada por responsabilização coletiva
A 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a responsabilidade de empresa de transportes de São Paulo pela morte de um cobrador de ônibus em decorrência da Covid-19. Para o colegiado, embora seja impossível comprovar a origem do contágio, a excepcionalidade do contexto pandêmico permite presumir que ele ocorreu no trabalho, aplicando ao caso a responsabilização objetiva (que independe da comprovação de culpa do empregador).
A reclamação trabalhista, com pedido de indenização, foi apresentada pela esposa e pelos filhos do trabalhador, que morreu em abril de 2021, aos 67 anos, após quase um mês de internação.
Segundo eles, a empresa não seguia os protocolos de higiene e segurança e o empregado, fora do trabalho, tomava todos os cuidados, permanecendo dentro de casa, usando máscara e higienizando as mãos sempre que necessário. Portanto, a doença teria sido contraída no trabalho, em razão do contato com grande número de pessoas no ônibus sem ventilação e do manuseio de dinheiro.
A empresa, em sua defesa, alegou, entre outros pontos, que, em se tratando de uma pandemia, não seria possível dizer, de forma inequívoca, a origem do contágio.
Contágio comunitário amplia risco de atividade
O ministro Amaury Rodrigues, relator do recurso de revista dos familiares, explicou que a responsabilidade objetiva dispensa a demonstração de culpa, mas é preciso que o nexo causal seja devidamente estabelecido em relação ao exercício da atividade. “O contexto pandêmico foi tão excepcional que não é possível ficar restrito aos limites conceituais e doutrinários da responsabilidade civil objetiva”, ponderou.
Segundo o relator, a pandemia, caracterizada pelo contágio comunitário, faz com que a chamada teoria do risco precise ser aplicada no âmbito do nexo de causalidade, na medida em que é virtualmente impossível comprovar a origem do contágio. “Se há impossibilidade de comprovação, a probabilidade deverá ser utilizada para a conclusão jurídica, aplicando-se, excepcionalmente, a teoria do risco”, ressaltou.
Adotando fundamentos do voto do ministro Hugo Scheuermann, o relator registrou que é patente que o transporte público expõe o cobrador a risco mais elevado do que a coletividade, sujeito ao contágio maior do que as demais categorias. Por isso, é presumível o nexo de causalidade entre a doença e o trabalho exercido. Como resultado, o ônus da prova deve ser invertido, passando a ser do empregador o encargo de comprovar que a contaminação ocorreu fora do ambiente laboral.
Com o reconhecimento da responsabilidade objetiva, o processo retornará ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e litoral paulista) para o exame dos pedidos de indenização por danos materiais e extrapatrimoniais. Com informações da assessoria de comunicação do TST._
STJ volta a analisar disputa entre Grupo Ternium e CSN
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgará nesta terça-feira (3/12) um recurso do grupo ítalo-argentino Ternium contra a decisão que o condenou a indenizar a CSN em R$ 5 bilhões por ter assumido o controle da Usiminas sem uma Oferta Pública de Aquisição de Ações (OPA).
Previsto na Lei das S.A., o artigo 254-A estabelece que, em casos de alienação de controle, deve ser garantido ao minoritário o direito de vender suas ações por pelo menos 80% do valor pago por ação com direito a voto. Isso se dá por meio da OPA.
Para tentar reverter a condenação de junho deste ano, a Ternium apresentou embargos de declaração. O grupo estrangeiro afirma que o argumento de fraude na alienação de controle da Usiminas, apontado pela CSN desde a petição inicial, só foi apresentado em fase recursal.
Em março de 2023, o STJ havia descartado a necessidade de OPA e rejeitado o recurso da CSN. Em julho daquele ano, a Ternium publicou fato relevante anunciando ter concluído a aquisição de controle da Usiminas.
A mudança de entendimento no STJ se baseou no rearranjo de controle na siderúrgica. A Ternium e o Grupo Nippon Steel firmaram um acordo de acionistas prevendo que decisões de gestão da Usiminas passariam a depender da aprovação das duas companhias, incluindo o consenso para indicação do presidente da siderúrgica.
A Ternium assumiu tal posição depois de adquirir, com ágio de 90%, as ações que até 2011 pertenciam a Votorantim, Camargo Corrêa e Caixa dos Empregados da Usiminas (CEU). A CEU, que antes tinha posição paritária, passou a ser secundária, já que se manteve no quadro societário, mas numa porcentagem menor.
Para o ministro Moura Ribeiro, do STJ, a compra de ações pelo Grupo Ternium, aliada ao rearranjo dos acordos entre os componentes do bloco de controle, acarretou a alienação do controle da companhia, exigindo a OPA.
Ele destacou, em seu voto, que o controle da companhia não se vincula apenas no número de ações. “O controle da Sociedade Anônima depende do elemento subjetivo do acionista, a intenção de dirigir a empresa”, afirmou o magistrado.
“As deliberações do bloco de controle, que antes eram tomadas com certa dependência mútua e sem indicação de que qualquer dos signatários do acordo exercesse uma posição de hegemonia. Com o ingresso do Grupo Ternium, as decisões passaram a ser tomadas apenas com a aprovação dele e do Grupo Nippon”, escreveu ele. Moura Ribeiro foi acompanhado pelos ministros Herman Benjamin e Antonio Carlos Ferreira.
A ministra Nancy Andrighi entendeu que o processo deveria ser julgado novamente pela primeira instância, que havia rejeitado a ação da CSN sem que fossem produzidas provas. Já o ministro Villas Bôas Cueva, que se opunha ao recurso da CSN, mudou seu voto para acolhê-lo e também enviar o processo à primeira instância do Tribunal de Justiça de São Paulo.
No Supremo
Paralelamente ao processo no STJ, a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) foi ao Supremo Tribunal Federal para tentar reverter a decisão. Para que a ação direta de inconstitucionalidade seja aceita há uma preliminar. A entidade, que tem o Grupo Ternium na sua direção, precisa demonstrar a pertinência temática da sua representação, além de comprovar sua presença em pelo menos dez estados brasileiros.
Outro desafio da ADI é conseguir suscitar uma tese jurídica com paradigma constitucional — e não um caso concreto, que só seria examinado em sede de recurso extraordinário. Nesse plano, a ADI se tornaria um recurso a mais e o STF, uma quarta instância para o caso.
O ministro André Mendonça, relator, recebeu informações da Câmara dos Deputados e de Superior Tribunal de Justiça, CVM, Cade, Casa Civil, Controladoria-Geral da União e Ministério da Microempresa. A mais recente delas é do Senado, que defende a rejeição da ação por falta de legitimidade da AEB._
É cabível arbitramento de aluguel na resolução do compromisso de compra e venda?
Considerado “o mais brasileiro dos contratos” por sua ampla utilização [1], o compromisso de compra e venda de imóvel (CCV) é frequentemente alvo de debate nas cortes nacionais. Dentre as numerosas questões dele decorrentes, constitui objeto do presente estudo os efeitos decorrentes da utilização (ou não) do imóvel pelo promissário comprador nas hipóteses de extinção do referido contrato, por causa imputável ou não a uma das partes.
Busca-se aferir especificamente se é cabível o pagamento de alugueres (i) pelo promissário comprador, quando já imitido na posse do imóvel e, ainda, (ii) pelo promitente vendedor, quando não entrega o imóvel na data acordada. A análise será realizada em contraposição ao posicionamento do Superior Tribunal de Justiça em relação a cada situação.
Extinção do compromisso de compra e venda e utilização (ou não) do imóvel pelo comprador Na situação (i), o comprador é imitido na posse do imóvel antes do pagamento integral do preço. Nesses casos, o STJ entende que, independentemente da causa da extinção, o promitente vendedor tem direito ao recebimento de alugueres pela utilização do imóvel pelo promissário comprador durante a execução do contrato, até o momento da devolução do imóvel, sob o fundamento da vedação ao enriquecimento sem causa [2] (artigo 884 do CC) — apesar de, por vezes, se referir a tais verbas como “indenização” [3].
Assim, nas hipóteses em que a extinção é fundada em inadimplemento de qualquer das partes (resolução por inadimplemento — artigo 475 do CC) é devida a restituição do valor correspondente à utilização do imóvel, segundo o STJ. A conclusão traz consequências importantes, como a possibilidade de cumulação do valor relativo à utilização do imóvel com cláusula penal compensatória, cuja finalidade é a reparação dos danos [4].
Na situação (ii), o comprador não é imitido na posse do imóvel na data acordada, em razão do inadimplemento do promitente vendedor. A causa superveniente da extinção do compromisso é, na visão do STJ, relevante nesses casos: entende o Tribunal que o montante devido ao promissário comprador pela não utilização do imóvel, em decorrência do descumprimento contratual pelo promitente vendedor, configura indenização, mais especificamente, lucros cessantes, que devem ser presumidos [5].
Nesse particular, o Tribunal oscila a respeito da presunção dos lucros cessantes na hipótese de resolução de compromisso de compra e venda de imóvel não edificado, havendo julgados no sentido de que não seria cabível a presunção [6] e, em sentido oposto, de que se aplicaria a presunção [7]. Recentemente, ao julgar o AgInt no REsp. nº 2.015.374-SP, o STJ afastou a presunção sob o fundamento de que, no caso, os lucros cessantes seriam decorrentes de “especulação imobiliária”, gerando, portanto, “mera expectativa de ganho futuro em relação aos imóveis adquiridos”.
Expostos os principais grupos de casos objeto do presente estudo, importa, agora, analisar de forma crítica o entendimento do STJ a respeito do arbitramento de alugueres pela utilização (ou não) do imóvel pelo promissário comprador.
Utilização do imóvel pelo comprador e restituição por enriquecimento injustificado
Há, como visto, diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, extinto o compromisso de compra e venda, independentemente de inadimplemento de qualquer das partes, e havendo o promissário comprador utilizado o imóvel durante o período de execução do contrato, é cabível o pagamento ao promitente vendedor do valor correspondente a tal utilização, com fundamento na “vedação ao enriquecimento sem causa”.
É comum ainda a referência a tal verba como sendo indenizatória. De fato, entre “o dano derivado do ato ilícito e o enriquecimento injustificado há de comum serem diferenças do patrimônio de outrem, no momento a e no momento b”. Em ambos, cogita-se de alteração no estado de coisas entre o sujeito ativo e o sujeito passivo [8].Trata-se, no entanto, de figuras diferentes. “In-denizar” consiste, nas palavras de Judith Martins-Costa, na “ficção jurídica pela qual, mediante a reposição ao estado anterior se torna indene, ‘sem dano [9]’”. Busca-se, pela via indenizatória, conduzir o lesado à situação hipotética em que ele estaria não fosse o evento lesivo [10].
A vedação ao enriquecimento injustificado circunscreve-se, por sua vez, à análise da alocação jurídica dos bens, isto é, “à “justificativa para retenção do enriquecimento na esfera patrimonial de uma e não de outra parte” [11], seja pela aquisição de um direito ou de uma situação jurídica protegida que implica uma vantagem patrimonial (aumento do ativo), seja por meio da diminuição do passivo [12], com o afastamento de despesas ou eventuais perdas, sendo irrelevante, para a caracterização do instituto, a ocorrência de dano [13].
Segundo Pontes de Miranda, trata-se de fonte de obrigação que não se pode subsumir no ato jurídico nem no ato ilícito, caracterizando-se pela “atribuição patrimonial defetiva de causa, ou, em geral, de justificação” [14]. A existência de negócio jurídico válido e eficaz, portanto, constitui justa causa para o enriquecimento [15], razão pela qual a restituição recíproca das prestações já realizadas, nas hipóteses de resolução do contrato, não se funda no enriquecimento sem causa [16].
Como bem afirma Menezes Leitão, “a celebração do contrato com determinada pessoa implica sempre a assunção do risco da insolvência da outra parte e a sujeição nesse caso ao regime do concurso de credores, cujas regras não podem ser desvirtuadas através do recurso à acção de enriquecimento sem causa” [17]. O uso retórico da figura deve ser evitado, bem assim a sua utilização como princípio dissociado dos pressupostos do instituto [18].
Isso não significa que não haja, no ordenamento jurídico, instrumentos para a desconstituição de eventuais desequilíbrios em contratos comutativos, como na hipótese de resolução, mas não se afigura correto afirmar que tal recurso se funde no enriquecimento injustificado [19]. Cláudio Michelon destaca que o instituto do enriquecimento sem causa não constitui princípio subjacente à noção de equilíbrio contratual, instrumentalizando, ao revés, o princípio da conservação estática dos patrimônios [20].
Nesse sentido, nos compromissos de compra e venda em que se acorda a imediata transferência da posse ao promissário comprador, o próprio contrato constitui justificação da utilização do imóvel — mesmo antes do pagamento integral do preço e ausente a necessária correspectividade entre esse pagamento e a utilização do bem.
Assim, assumindo-se que, da falta de contraprestação, não se pode deduzir a ausência de causa do que foi prestado, pois a prestação recebida em virtude de negócio jurídico existente, válido e eficaz tem, necessariamente, causa a justificar sua retenção pelo receptor, não se pode fundamentar o arbitramento de alugueres pela utilização do imóvel na vedação ao enriquecimento sem causa. O regime que se ocupa da ausência de contraprestação, portanto, é o do inadimplemento das obrigações [21], e não o do enriquecimento sem causa.
Deve-se perquirir se a resolução do contrato é imputável ao promitente comprador, para efeito de condenação ao pagamento dos alugueres durante o tempo em que permaneceu na posse do imóvel. Ainda que o promitente comprador deva restituir o imóvel ocupado, em todas as hipóteses de resolução contratual, o montante devido a título de alugueres somente podem ser atribuídas ao comprador nos casos em que este tenha dado causa à resolução do contrato [22].
Não se aplica, nesta hipótese, como já afirmado, o regramento relativo ao enriquecimento sem causa, eis que não se pode qualificar de “sem causa” a posse exercida pelo promitente comprador em virtude de contrato existente, válido e eficaz [23]. Tampouco a resolução tem o efeito de “apagar” a obrigação, como se jamais tivesse existido, havendo, em realidade, verdadeira modificação da relação contratual [24].
Parece não ser acertado o entendimento do STJ [25] no sentido de serem devidos os alugueres pelo promitente comprador, desde a data em que a posse lhe foi transferida, mesmo quando constatado o inadimplemento da incorporadora/construtora, sob o fundamento da necessidade de retorno das partes ao estado anterior.
O fator que impulsiona a restituição do bem não é o enriquecimento sem causa, mas a ineficácia superveniente que despontou com o acionamento do instrumento resolutivo [26], enquanto o valor devido a título de alugueres somente poderá ser atribuído ao promitente comprador nas hipóteses de inadimplemento a ele imputável.
*esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma 2 — Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e Ufam).
[1] AZEVEDO JR., José Osório de. Compromisso de compra e venda. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 15.
[2] AgInt no ARESP n. 191.430-DF, 4ª Turma, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 09/03/2017, REsp. n. 955.134/SC, 4ª Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 16/08/2012; AgInt nos EDcl no REsp. 1.811.724-GO, 4ª Turma, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 24/06/2024.
[3] AgInt. no REsp. 1.126.477-RS, 4ª Turma, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Dje. 07/06/2018; AgInt no ARESP n. 191.430-DF, 4ª Turma, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 09/03/2017.
[4] AgRg no REsp. 1.179.783-MS, 4ª Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 19/04/2016, AgReg no AREsp. 394.466/PR, 4ª Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 03/12/2013.
[5] Por todos: REsp n. 1.729.593/SP, Segunda Seção, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 25/09/2019.
[6] AgInt no REsp. n. 2.015.374-SP, 4ª Turma, rel. Min. Marco Buzzi, j. 02/04/2024.
[7] AgInt no REsp. n. 1.818.212/SP, 3ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 22/03/2021.
[8] PONTES DE MIRANDA, F.C. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, t. 26, p. 122.
[9] MARTINS-COSTA, Judith; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva. R. CEJ, Brasília, n. 28, p. 15-32, jan./mar. 2005, p. 17
[10] STEINER, Renata. Reparação de danos: interesse positivo e interesse negativo. São Paulo: Quartier Latin, 2018, p. 152-153.
[11] CID, Henrique Stecanella. Restituição do enriquecimento sem causa. São Paulo: Almedina, 2024, p. 108-109.
[12] MICHELON JR., Cláudio. Direito restitutório. São Paulo: RT, 2007, p. 185.
[13] CID, Henrique Stecanella. Restituição do enriquecimento sem causa…, cit., p. 103.
[14] PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, t. 26, p. 122-128.
[15] Para uma crítica do enunciado 188 do CJF (“A existência de negócio jurídico válido e eficaz é, em regra, uma justa causa para o enriquecimento”), cf. CID, Henrique Stecanella. Restituição do enriquecimento sem causa…, cit., p. 126.
[16] Segundo Pontes de Miranda, tampouco a restituição decorrente da anulação do negócio jurídico se fundaria no enriquecimento sem causa, tendo em vista que, até a sentença desconstitutiva, o negócio jurídico produziria efeitos e, portanto, justificaria a existência da dívida (PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, t. 26, pp. 135-136).
[17] MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de. O enriquecimento sem causa no direito civil. Coimbra: Almedina, 2005, p. 543.
[18] CID, Henrique Stecanella. Restituição do enriquecimento sem causa…, cit., p. 85.
[19] Em sentido contrário, cf. SILVA, Rodrigo da Guia. Enriquecimento sem causa: as obrigações restitutórias no direito civil: São Paulo: Thomson Reuters, 2018, p. 284.
[20] MICHELON JR., Cláudio. Direito restitutório…, cit., p. 184; NANNI, Giovanni Ettore. Inadimplemento absoluto e resolução contratual: requisitos e efeitos. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, p. 622.
[21] Com a resolução do compromisso de compra e venda, não se deve assumir que todos os efeitos produzidos pelo contrato sejam reputados como se jamais tivessem ocorrido. Enquanto parte da doutrina advoga a tese de que o efeito extintivo retroativo da resolução atinge a prestação principal e os deveres acessórios, mas não extingue a relação contratual global, que serve como fundamento para o dever de restituir e indenizar (AGUIAR JR., Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de Janeiro: Aide, 2003, p. 258), outros sustentam que a relação de liquidação acarreta apenas uma modificação não retroativa e parcial da relação contratual, não se aplicando o art. 182 do CC/02 à resolução dos contratos (MARCELO VIEIRA VON ADAMEK; ANDRÉ NUNES CONTI. Notas sobre a relação de liquidação dos contratos resolvidos. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 36, n. 10, p. 253–284, 2024, p. 275).
[22] “(…) também não se há de pensar em princípios concernentes ao enriquecimento injustificado, porque há razão para que o figurante culpado ou em mora tenha de restituir, integralmente e quaisquer que sejam as vicissitudes, o que lhe foi prestado. Pelo uso do que foi recebido, e. g. maquinaria, cavalo, automóvel, tem de ser prestado o valor comum do uso ao tempo em que usou (…)” (PONTES DE MIRANDA, F.C. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, t. 25, p. 317-318).
[23] CID, Henrique Stecanella. Restituição do enriquecimento sem causa…, cit., p. 126.
[25] AgInt no REsp n. 1.601.141/SP, 4ª Turma, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 5/6/2023.
[26] “Assim sendo, a restituição não se confunde com o enriquecimento sem causa, que não é aplicável na resolução contratual por inadimplemento. São institutos diversos, cujos requisitos e extensão configuram-se díspares. É equivocado atribuir equivalência às configurações da restituição e do enriquecimento em causa, pois assentam, em extremos distintos: o enriquecimento sem causa é o vento, a mola propulsora e a restituição, a consequência da aplicação desse remédio” (NANNI, Giovanni Ettore. Inadimplemento absoluto e resolução contratual…, cit. p. 639)._
Credor de câmbio pode receber antes da quitação de outros créditos na recuperação
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que o credor de adiantamento de contrato de câmbio não precisa esperar o pagamento dos demais créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial para receber os valores que lhe são devidos.
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O STJ considerou que os valores de adiantamento no contrato de câmbio não se fazem parte da recuperação judicial
O caso analisado pelo colegiado diz respeito à execução movida contra uma empresa em recuperação devido a débito resultante de adiantamento de contrato de câmbio. O credor requereu a penhora de valores no rosto dos autos da recuperação judicial e a suspensão da expedição de alvarás para pagamento dos credores habilitados no processo de soerguimento.
O juízo da recuperação determinou a transferência dos valores penhorados para o juízo da execução, com fundamento na natureza do crédito. No entanto, o tribunal de segundo grau entendeu que a transferência desses valores, enquanto ainda houvesse credores habilitados na recuperação, significaria ignorar o plano recuperacional e frustrar o próprio processo.
No recurso ao STJ, o credor sustentou que o crédito decorrente de adiantamento de contrato de câmbio não se submete à recuperação judicial.
Produto da exportação não é da empresa
O relator na 3ª Turma, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, afirmou que os valores entregues ao devedor em razão de adiantamento de contrato de câmbio para exportação não se submetem aos efeitos da recuperação, conforme o artigo 49, parágrafo 4ª, da Lei 11.101/2005.
Segundo ele, nessa operação, os recursos são adiantados em moeda nacional para o exportador, “por conta de uma exportação a ser realizada no futuro, metodologia muito valorizada pelo comércio exterior, pois incentiva as exportações, permitindo aos exportadores que obtenham financiamento antecipado, com a redução dos riscos cambiais e a melhora de fluxo de caixa”.
Desse modo, o produto da exportação não faz parte do patrimônio da empresa exportadora em recuperação, a qual recebeu a antecipação de valores, mas, sim, da instituição financeira que concedeu o adiantamento.
O ministro explicou que “a opção do legislador em não submeter esses créditos aos efeitos da recuperação judicial teve como objetivo proteger as exportações, incentivando as instituições financeiras a continuar concedendo antecipação de crédito aos interessados”.
Devolução pode ser requerida ao juízo
Villas Bôas Cueva comentou que, diferentemente do que acontece na falência, a expectativa na recuperação é que o devedor consiga pagar todos os credores, a partir das condições e dos prazos especiais que são fixados. Assim, o plano judicial deve demonstrar a capacidade da empresa de quitar todas as dívidas e continuar atuando no mercado.
No caso em julgamento, porém, o ministro disse que a decisão de segunda instância se baseou em uma ideia equivocada de que alguns credores deveriam receber antes de outros, “a partir de uma ordem de pagamento que não está na lei”. Conforme destacou, “os créditos que não estão submetidos aos efeitos da recuperação judicial podem ser perseguidos pelos credores, sem modificação no montante devido e no vencimento”.
O relator indicou que, para a jurisprudência do STJ, o credor pode requerer diretamente ao juízo da recuperação a devolução dos valores do adiantamento de contrato de câmbio. “Não há como postergar o pagamento do credor do adiantamento de contrato de câmbio para após o encerramento da recuperação judicial”, afirmou.
De acordo com Cueva, “a frustração do processo de soerguimento ocorre com o não pagamento dos créditos, estejam ou não submetidos aos efeitos da recuperação, pois em qualquer dos casos poderá ser requerida a falência do devedor. Além disso, os créditos não submetidos aos efeitos da recuperação judicial não precisam ser habilitados, o que, porém, não autoriza que sejam preteridos”. Com informações da assessoria de comunicação do STJ._
Justiça determina que ICMBio preste contas sobre R$ 55 milhões em precatórios
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) tem até o final de fevereiro para explicar como usou os recursos de uma ação civil pública que deveriam ser destinados ao Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná. O pedido foi feito Ministério Público Federal (MPF) e aceito pela Justiça Federal, estabelecendo uma multa diária de R$ 5 mil caso o ICMBio não forneça as informações solicitadas.
parque nacional do Iguaçu
O dinheiro dos precatórios deveriam ser destinados ao Parque Nacional do Iguaçu
Na ação, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi condenado a repassar ao ICMBio, gestor do Parna Iguaçu, 50% da arrecadação obtida com a cobrança de ingressos do parque entre os anos de 1989 a 2000. A decisão foi cumprida com dois pagamentos que totalizaram mais de R$ 55,8 milhões.
A primeira parcela, no valor de pouco mais de R$ 29,9 milhões, foi paga em 2018; mais de R$ 25,8 milhões foram pagos em 2024. Os valores foram transformados em precatórios — requisição de pagamento expedida pela Justiça — que, até o momento da intimação, ainda não haviam sido totalmente disponibilizados para serem usados pela unidade de conservação, localizada no extremo oeste paranaense.
“Passados seis anos do primeiro valor recebido, ao que parece o ICMBio aplicou valores ínfimos no Parque Nacional do Iguaçu, curiosamente quando ele [Parque Nacional do Iguaçu], beneficiado pelo que restou decidido neste processo judicial, enfrenta restrições orçamentárias sem precedentes”, afirma a Justiça Federal na intimação.
O ICMBio chegou a fazer um cronograma de pagamento dos valores devidos ao Parna Iguaçu, que não foi efetivado. De acordo com o instituto, apenas R$ 1,2 milhão foi pago entre 2021 e 2024 e não há previsão para novas autorizações.
“É compreensível que a aplicação de recursos naquela extensão envolva um rigoroso processo cercado de garantias legais e procedimentais, mas há, inequivocamente, uma significativa demora na concretização dos pagamentos em benefício do parque”, afirma a procuradora da República, Monique Cheker.
“Plus” orçamentário
Para justificar o não cumprimento da decisão judicial, o ICMBio alega que precatórios somente podem ser liberados quando há contrapartida orçamentária na instituição ou órgão de destino.
“Fazer isso [liberar os valores] sem que haja um ‘plus’ na dotação orçamentária do instituto significaria retirar recursos inicialmente destinados ao custeio de todas as 335 unidades de conservação federais sob sua gestão e destiná-los a atender, exclusivamente, o parque que, de longe, já é a unidade mais bem estruturada de todo o sistema federal de áreas protegidas”, explicou o órgão em resposta à solicitação de informações feita pelo MPF.
De acordo com o ICMBio, esse ‘plus’ orçamentário depende de previsão legal, cuja competência é do Ministério do Planejamento e depende de decreto presidencial ou projeto de lei.
Os poucos recursos disponibilizados foram usados para pagamento de diárias e passagens, reformas na sede e aquisição de bens como aparelhos de ar-condicionado, cartão de memória, fogão a gás, GPS portátil para trilhas, máquina fotográfica, câmera digital, geladeira, roçadeira e motosserra industrial. Foram iniciados ainda os procedimentos para formalizar convênio com a Fundação Araucária, para produção e aplicação de conhecimento e com outras instituições interessadas em contribuir com novas tecnologias.
Segundo o acórdão firmado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a arrecadação foi feita pelo Ibama durante a vigência do antigo código florestal, que destinava pelo menos 50% do valor dos ingressos exclusivamente “ao custeio da manutenção e fiscalização, bem como de obras de melhoramento em cada unidade”. Portanto o ICMBio deve manter essa destinação na alocação dos recursos que o Ibama pagou por força de decisão judicial.
Por isso, a Justiça Federal acatou também o pedido do MPF para que o instituto reveja o plano de trabalho vigente e garanta ainda que eventuais planejamentos futuros beneficiem as finalidades e prioridades já previstas. Assim, a revisão deve privilegiar a infraestrutura, os insumos e os recursos humanos necessários para a manutenção e fiscalização do parque. Os demais objetivos “devem ser considerados necessariamente subsidiários, aceitáveis em situações excepcionais devidamente justificadas e submetidas ao debate processual”, afirma a procuradora._
ICMS-ST não integra custo de aquisição para creditamento do PIS e Cofins
Valores correspondentes ao ICMS por substituição tributária (ICMS-ST) reembolsados pelo substituído não representam custo de aquisição da mercadoria e, com isso, não geram créditos de PIS e Cofins no regime não cumulativo.
Gustavo Lima/STJMinistro Paulo Sérgio Domingues lembrou que modalidade culposa não se aplica a casos de improbidade
Ministro Paulo Sérgio Domingues usou tese sobre ICMS-ST e crédito de PIS e Cofins
Essa conclusão é da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento a embargos de divergência ajuizados por um contribuinte em julgamento encerrado na tarde de quarta-feira (27/11).
A votação foi unânime, conforme a posição do ministro Paulo Sérgio Domingos, relator dos embargos, secundado pelo voto-vista do ministro Benedito Gonçalves.
O caso trata do regime de substituição tributária, no qual o primeiro contribuinte (substituto) recolhe de forma antecipada o ICMS dos demais elos da cadeia de consumo (substituídos).
Esse primeiro agente, por sua vez, vai repassar o custo da tributação para os demais integrantes da cadeia, como as redes atacadistas e os comerciantes que atendem ao público.
A conclusão do colegiado foi de que o acórdão apontado como paradigma no REsp 1.876.244 — que reconheceu o direito ao crédito da contribuição ao PIS e à Cofins sobre valores do ICMS sobre transporte interestadual arcado pelo substituído tributário — teve sua posição superada.
Isso ocorreu quando a própria 1ª Seção fixou tese seguindo o rito dos recursos repetitivos para concluir que valores despendidos pelo contribuinte substituído a título de reembolso ao substituto pelo recolhimento do ICMS-ST não geram crédito das contribuições ao PIS e à Cofins.
Impacto do ICMS-ST
Segundo os tributaristas Letícia Micchelucci e Thulio Alves, do escritório Loeser e Hadad Advogados, já está pacificado na corte superior que o ICMS-ST não integra a base de cálculo para os créditos de PIS/Cofins.
“O entendimento reforça a tese da Fazenda Nacional, aumentando, assim, a arrecadação ao impedir o aproveitamento do ICMS-ST como crédito, com impacto relevante para empresas que atuam em regimes de substituição tributária.”_
TST afasta responsabilidade solidária de empresas com sócios em comum
Nas relações jurídicas estabelecidas antes da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho diz que, para reconhecimento do grupo econômico, é necessário que exista uma subordinação hierárquica entre as empresas, com a demonstração de efetivo controle de uma empresa líder sobre as demais.
Esse foi o fundamento do juízo da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho para revogar decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), que havia reconhecido a responsabilização solidária de empresas por formação de grupo econômico em ação trabalhista.
ReproduçãoTST afastou responsabilidade solidária de empresas de engenharia com sócios em comum em ação trabalhista
TST afastou responsabilidade solidária de empresas de engenharia com sócios em comum
As empresas apresentaram recurso alegando que a jurisprudência do TST veta o reconhecimento de grupo econômico com fundamento estritamente na presença de sócios em comum, sem a demonstração de comando hierárquico de uma das companhias sobre as outras.
Ao analisar o caso, o relator, desembargador convocado para o TST José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, apontou que o acórdão do tribunal regional não reúne elementos fáticos que comprovem a existência de controle e fiscalização de uma empresa líder para a configuração de grupo.
“Nesse contexto, o reconhecimento de grupo econômico, com a imputação de responsabilidade solidária ao recorrente, sem ter havido a necessária demonstração de hierarquia entre os reclamados, com o efetivo controle de uma empresa líder sobre as outras, enseja violação do disposto no artigo 2º, § 2º, da CLT”, registrou.
Diante disso, o relator votou para afastar o reconhecimento de grupo econômico e julgar improcedente o pedido de responsabilização. O entendimento foi unânime.
“A configuração de grupo econômico é um assunto que continua sendo julgado de maneira equivocada nos TRTs, que desconsideram a posição do TST, que desde 2018 exclui a possibilidade de reconhecimento desse fenômeno pela mera identidade de sócios”, diz Luciano Andrade Pinheiro, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, que atuou na causa. _
TJ-SP reconhece prescrição em crimes contra ordem tributária de ex-prefeito
A Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal estabelece que “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.
Esse foi o fundamento adotado pelo juízo da 5ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo para julgar extinta a punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva, de uma ação penal contra ex-prefeito de Rio Claro (SP) Dermeval da Fonseca Nevoeiro Junior por crime contra a ordem tributária.
freepikTJ-SP aplica Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal para reconhecer prescrição de crime tributário
TJ-SP aplica Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal para reconhecer prescrição de crime tributário
A decisão foi provocada por apelação criminal contra sentença que condenou o ex-prefeito por crimes contra a ordem tributária. À época da condenação, foram estipuladas penas de três anos e quatro meses de prisão, em regime aberto, e dezesseis dias-multa, com substituição da prestação de serviços à comunidade.
No recurso, a defesa requereu o reconhecimento da prescrição com lastro nas disposições dos artigos 109, 115 e 119 do Código Penal.
Também argumentou que o réu se dedicava exclusivamente às atividades de cunho político e não frequentava a empresa alvo da ação por crime tributário. Dessa forma, ele não possuiria domínio sobre a parte contábil do negócio.
Ao analisar o caso, o relator da matéria, desembargador Pinheiro Franco, reconheceu a tese defensiva de que o crime estava prescrito.
“A denúncia, alusiva a fatos cometidos no período de maio de 2011 a abril de 2014, foi recebida em 14 de janeiro de
2020 (páginas 1586/1587). A sentença condenatória, que aplicou a pena de 3 anos e 4 meses de reclusão de reclusão, em regime aberto, e 16 dias-multa (valor unitário mínimo), com substituição da pena corporal por duas restritivas de direitos, foi proferida em 21 de julho de 2023, sendo publicada em 3 de agosto de 2023”, escreveu o desembargador, afirmando que o prazo de prescrição aplicado ao caso é de dois anos (pena do crime apurado).
“Considerando-se o lapso entre a data de recebimento da denúncia (14 de janeiro de 2020) até a data da publicação da sentença condenatória (3 de agosto de 2023), decorreu prazo superior a dois anos, o que já permite o reconhecimento da causa extintiva”, resumiu.
Diante disso, ele votou pela extinção do processo contra o ex-prefeito. A decisão foi unânime. _
20 anos em 2 Com foco em solução de problemas, Bruno Dantas redimensionou TCU no cenário nacional
O ministro Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União, participará de sua última sessão na chefia da corte no próximo dia 4. Na quarta-feira seguinte (11/12), dará posse a Vital do Rêgo, seu atual vice, marcando o fim de uma gestão exitosa, iniciada em dezembro de 2022, que redimensionou o TCU.
SpaccaBruno Dantas Spacca
Bruno Dantas, presidente do TCU
Se até recentemente a corte de contas incentivava o ambiente policialesco que provocou um estado de letargia administrativa no país, a gestão de Dantas seguiu o rumo oposto. O ministro viabilizou a execução de políticas públicas e a manutenção de contratos importantes, tendo escolhido a conciliação como uma de suas prioridades.
Dantas foi admitido como pesquisador visitante sênior da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, para onde vai após o encerramento de seu mandato e onde ficará até o final de maio de 2025.
Ele não vai se licenciar do tribunal e continuará atuando durante o primeiro semestre do ano que vem por videoconferência, despachando processos e atendendo a advogados virtualmente.
No mesmo dia em que ele participará de sua última sessão como presidente do TCU, será lançado o livro O novo perfil do controle difuso de constitucionalidade, em sua homenagem.
TCU em foco
Até não muito tempo atrás, o TCU era conhecido por muitos como um pequeno órgão consultivo que ganhou projeção aqui e ali surfando na onda anticorrupção dos tempos da “lava jato”. Dantas revolucionou o órgão, que era quase invisível, e fez dele um protagonista importante no cenário nacional.
O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal, disse à revista eletrônica Consultor Jurídico que o TCU na gestão de Dantas “redimensionou seu papel como protagonista do cenário nacional”.
“O ministro Bruno Dantas deu novas feições ao TCU. O órgão redimensionou seu papel como protagonista do cenário nacional. Suas iniciativas juntaram-se ao esforço do Judiciário, do Executivo e do Legislativo no sentido de buscar mais eficiência e dar mais transparência aos atos públicos.”
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, classificou a gestão de Dantas como “histórica” e disse que ela é resultado da condução da corte por um “estadista”.
“Uma histórica gestão de um estadista à frente de um tribunal que só cresce em importância e qualidade.”
Beto Simonetti, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, afirmou que Dantas teve certa atuação política, mas em um bom sentido: o de promover políticas em favor dos mais vulneráveis e defender a democracia.
“Bruno Dantas pautou sua gestão na Presidência do Tribunal de Contas da União pelo compromisso com a democracia e com o interesse público. Seu trabalho reforçou a importância do TCU como guardião das boas práticas na administração pública e como voz ativa na promoção de políticas em favor dos mais vulneráveis. A OAB presta, assim, seu reconhecimento pela contribuição positiva do ministro Bruno Dantas com o Brasil.”
Transição
Dantas assumiu o cargo em 2022, ano turbulento para o Brasil. Desde então, defendeu que a atuação do TCU deve ser, por um lado, não renunciar ao seu poder sancionatório, e, por outro, operar sem emparedar gestores.
A visão do ministro é de que a corte de contas não pode ser vista como um empecilho para a tomada de decisões importantes. O resultado esperado é incentivar a oferta de serviços pelo poder público, em vez de encenar rituais burocráticos.
Nessa perspectiva, o TCU abriu as portas para que, já na fase de transição, o governo eleito em 2022 viabilizasse novas propostas com o auxílio da corte de contas, de modo a permitir que eventuais problemas fossem corrigidos já de início.
A Comissão de Ministros instituída pelo TCU para acompanhar a transição de governos em 2022 foi uma iniciativa inédita no âmbito da corte.
Secex Consenso
A atuação preventiva seguiu a mesma linha quanto às medidas adotadas pelo TCU em termos de conciliação. Uma das inovações de Dantas foi a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (Secex Consenso), que busca construir soluções consensuais na administração pública, ampliar o diálogo com as instituições e prevenir conflitos.
A secretaria começou a funcionar no início de 2023. Uma de suas premissas não é muito difícil de entender: quando mudanças em contratos administrativos são pactuadas com a presença de auditores do TCU na mesa de negociação, é muito mais fácil evitar cláusulas ilegais, que acabam por paralisar contratos e a devida prestação de serviços. A medida também evita questionamentos futuros pelas partes.
Para Dantas, a sistemática evita insegurança jurídica, falta de investimentos e prejuízos para a sociedade. “Nós temos um imperativo legal, um arcabouço que permite que o tribunal atue dessa forma e também os insumos, que são contratos com problemas que precisam de solução”, disse ele à ConJur.
O ministro explicou o cenário que o levou a incentivar a solução consensual no TCU: um “estoque de contratos administrativos desequilibrados no Brasil” e um “apagão das canetas” — ou seja, um “ambiente policialesco” em que ministérios e agências deixavam de reequilibrar contratos.
Para o presidente do TCU, a experiência da mediação “tem sido muito exitosa”. Já foram firmados cinco acordos em um ano e meio e outros 16 casos estão em andamento.
Em setembro deste ano, a corte de contas e a Advocacia-Geral da União firmaram um acordo para melhorar as medidas de conciliação. O termo prevê a troca de experiências entre os órgãos e ações conjuntas para proporcionar a especialização de servidores em mediação de impasses envolvendo a administração pública.
Frutos
Em evento ocorrido em junho deste ano, o TCU apresentou os primeiros resultados da medida: a conciliação garantiu, nos cinco acordos homologados, uma economia bilionária em setores importantes, como o de ferrovias e o de energia.
Um dos acordos nasceu de um pedido do Ministério de Minas e Energia envolvendo contratos de energia de reserva devido a uma crise de falta de água ocorrida entre 2020 e 2021.
A BTG, que estava em dia com os contratos, concordou em participar de uma comissão para discutir o problema. E o TCU aprovou uma solução que permitiu flexibilizar o fornecimento de energia, ativando as usinas só quando necessário, o que levará a uma economia de R$ 224,5 milhões até 2025.
Em outro caso, desta vez envolvendo o Ministério de Minas e Energia e a empresa turca Karpowership, haverá economia de até R$ 2,9 bilhões, segundo o TCU. A disputa trata da geração de energia inflexível, do pagamento de multas por atrasos e do encerramento de processos.
“A criação da secretaria materializa um deslocamento do olhar do tribunal para os resultados e para a construção de soluções. Ao aprofundar os casos concretos submetidos à corte, percebemos que, muitas vezes, a melhor solução não está pronta na legislação. Ela surge a partir de um processo de diálogo construtivo entre o ministério setorial, a agência reguladora e o setor privado”, disse Dantas na apresentação dos resultados.
A avaliação de especialistas é de que os métodos consensuais adotados pelo TCU destravam investimentos, evitam litígios e garantem segurança jurídica sem sacrificar a boa governança.
“No caso do TCU, ainda há um diferencial: além do acordo, o processo passa por toda a governança do TCU. Isso evita que uma obra, por exemplo, seja paralisada no futuro porque o TCU identificou uma cláusula que não está de acordo. Quando o aditivo é assinado, já tem a chancela do TCU”, afirma Letícia Queiroz, professora de Direito Administrativo da PUC-SP.
Benefícios financeiros
O TCU, sob a batuta de Dantas, também contribuiu para os esforços do governo federal para abastecer os cofres públicos. O volume de benefícios financeiros obtidos a partir de ações de controle subiu de R$ 82,2 bilhões em 2022 para R$ 178, 7 bilhões em 2023.
“Esse valor é 76 vezes superior à despesa líquida no ano, que foi de cerca de R$ 2,3 bilhões, evidenciando a eficácia das medidas adotadas para tornar os programas do governo mais econômicos e eficientes”, disse o ministro ao Anuário da Justiça, publicação da ConJur._
Justiça busca preencher lacunas para gerenciamento de crises ambientais
As grandes crises ambientais, cada vez mais recorrentes no mundo, acenderam um alerta no Poder Judiciário brasileiro: há lacunas críticas para prevenção, gerenciamento e reparação nessas situações, temas que vão gerar judicialização e desaguarão nos tribunais.
Paula Carrubba/EnfamHerman Benjamin 2024
Ministro Herman Benjamin discursa na abertura da I Jornada Jurídica de Prevenção e Gerenciamento de Crises Ambientais
Para corrigir esse problema, o Conselho da Justiça Federal abriu, nesta segunda-feira (25/11), a I Jornada Jurídica de Prevenção e Gerenciamento de Crises Ambientais, em Brasília.
O evento busca um novo paradigma jurídico para o enfrentamento dos desafios ambientais no Brasil e vai culminar em sessão plenária para aprovação de enunciados, que servirão como um farol para juízes e tribunais brasileiros.
O CJF recebeu 301 propostas e selecionou 183 para debate em comissões temáticas. Coordenador-geral do evento, o ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, disse na abertura que alterar a trajetória de enfrentamento desses desastres requer prevenção, pelo menos no aspecto jurídico.
“O Poder Judiciário compreende papel que possui no contexto e quer contribuir com soluções”, disse Salomão, destacando que a Justiça tem transferido recursos provenientes de multas e condenações para o enfrentamento de crises climáticas e citando a adesão das metas da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.
Coordenador científico do encontro, o ministro Paulo Sérgio Domingues, do STJ, disse que, embora a reação do Judiciário a essas crises tenha sido esforçada, foram expostas as dificuldades para lidar com problemas ambientais de grande magnitude. “O impacto das tragédias expôs lacunas críticas do gerenciamento de riscos ambientais e provocou a evolução de instrumentos de responsabilização e reparação, incluindo fortalecimento de medidas preventivas e punitivas para evitar a reincidência ou recorrência desses desastres.”
Para o ministro Domingues, o desafio após casos como os rompimentos das barragens de Mariana e Brumadinho, e as enchentes do Rio Grande do Sul se tornou mais abrangente.
Hoje, a discussão jurídica passa a ser como aferir a contribuição humana que seja objeto de judicialização para mudança climática. Ou como analisar a parcela de responsabilidade de determinados poluidores no surgimento de crises climáticas.
“Se essas são tarefas naturalmente difíceis, nem por isso o Judiciário pode se omitir. É preciso investir nas estruturas de fiscalização e repressão, na cooperação entre instituições e no uso de tecnologia para localização e mensuração de agressões ambientais. E na coordenação dentro das instituições também”, avaliou.
Crises ambientais recorrentes
Presidente do STJ, o ministro Herman Benjamin destacou a evolução jurisprudencial ambiental brasileira e disse que segue em aberto o impacto das mudanças climáticas. Para ele, as petições das ações civis públicas precisam ser revistas.
“Tem petição inicial que não menciona sequer a Lei da Polícia Nacional das Mudanças Climáticas. O juiz sempre pode incorporar o arcabouço normativo, mas é importante que essas petições tragam, de maneira clara, a formulação e o desenho do impacto das mudanças climáticas”, disse.“E não só nos casos de desmatamento. Temos também resorts à beira-mar que desconhecem por absoluto o aumento do nível do mar e uma questão de importância à raiz quadrada da dunas, dos manguezais, que protegem exatamente o nosso litoral”, exemplificou.
A I Jornada Jurídica de Prevenção e Gerenciamento de Crises Ambientais será encerrada na terça-feira (25/11), com a definição de enunciados._
Combate à litigância excessiva fomenta competição, dizem especialistas
Para lidar com um ambiente de negócios cada vez mais competitivo e dinâmico, é preciso combater a litigância excessiva e apostar na resolução alternativa de conflitos, como a conciliação e a mediação.
A opinião é de advogados e empresários entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico no lançamento do Anuário da Justiça Direito Empresarial 2024.
Vseventeen
O presidente da Fiesp, Josué Gomes, ao lado de Ricardo Lewandowski, Cesar Asfor Rocha e Fábio Prieto
O ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça e presidente do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Cesar Asfor Rocha, por exemplo, defende que é necessário conferir a outras entidades, como as agências reguladoras, a competência para solucionar os conflitos em caráter definitivo.
“Este é o desafio presente, esvaziar o sistema das causas que não lhe diz respeito para valorizar o seu mais nobre papel que é o de regular mais paradigmas coletivos e atuar menos em conflitos individualizados entre partes” afirmou.
A avaliação de Asfor Rocha sobre a saturação do modelo atual está alinhada a de importantes agentes do setor produtivo. O sócio da Nova Engevix, José Antunes Sobrinho, acredita que o país regrediu nas últimas duas décadas em relação à desjudicialização.
“Ficou muito fácil as empresas entrarem em disputas. As disputas são longas, é uma maneira de procrastinar pagamentos e isso atrapalha profundamente (o desenvolvimento). É um risco para o Brasil.”
O empresário acredita que a solução está no uso da inteligência artificial no Judiciário, o que poderia tornar as decisões mais céleres e os processos mais eficientes.
Arbitragem em xeque
Na conversa com a reportagem, o empresário criticou o instituto da arbitragem, que, apesar de ser uma resolução alternativa, é caro e demorado. “A arbitragem é uma falácia. O comum é passarmos sete, oito anos pagando sem ter uma solução”, afirmou.
A advogada e desembargadora federal aposentada Cecilia Mello, vice-presidente do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos da Fiesp, endossou as críticas e afirmou que é preciso repensar o instituto no Brasil, citando casos em que decisões arbitrais são levadas ao Judiciário.
“A judicialização da arbitragem é um retrocesso. Eu acho que a gente ainda tem bastante para caminhar e, talvez, se pensássemos em uma arbitragem mais parecida com um juizado de pequenas causas, talvez tivesse mais frutos”, diz.
Apesar das críticas, Mello avalia que o avanço de câmaras especializadas no Judiciário supre muito bem a demanda de julgamentos de litígios empresariais de grande complexidade.
Cultura da desjudicialização
O advogado Oto Bahia Júnior, da JBS, por sua vez, prega a necessidade de combater a cultura da judicialização — um dos principais pontos debatidos no Anuário.
“Buscar conciliação é uma pauta que tem sido levantada dentro das empresas, inclusive pelos nossos líderes, nossos executivos, de justamente não deixar que isso chegue a um momento de litígio”, afirma Bahia Júnior.
“Porque isso demanda custo, isso demanda tempo, isso demanda custo de contratar os advogados, de ter uma carteira muito grande. Então, hoje, isso é uma prioridade para as empresas de justamente diminuir esse litígio que a gente sabe que, no final das contas, todo mundo sai perdendo.”
Ele lembra que, apesar de estar no centro de debates sobre o tema, a Justiça do Trabalho não é a única responsável pelo excesso de ações no Judiciário, citando as causas consumeristas, que também registram números elevados nos tribunais.
“Neste sentido, o combate à alta litigância em uma grande empresa começa no SAC (serviço de atendimento ao cidadão). Quando surge o problema, se você já mata ali no início, dando uma resposta razoável, evita a judicialização”, prega._
PL que cria mercado de carbono falha ao excluir agronegócio, afirmam especialistas
O Projeto de Lei 182/2024, que institui o mercado de carbono no Brasil (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa — SBCE), tem brechas que podem prejudicar a imagem do país aos olhos de investidores globais e, consequentemente, afetar o valor dos créditos, de acordo com a interpretação de especialistas no assunto ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Freepikcampo aberto de pastagem com vacas no pôr-do-sol
Agronegócio não foi incluído no PL que cria o mercado de carbono no Brasil
O texto — que foi aprovado pela Câmara dos Deputados na terça-feira passada (19/11) e segue agora para sanção presidencial — distingue dois mercados: o regulado, que tem metas de redução e critérios estabelecidos pelo Estado (e que fica vinculado ao SBCE), e o voluntário, composto por empresas que querem reduzir as emissões espontaneamente. Esse mercado tem suas metas definidas por instituições privadas.
O tema é uma das prioridades do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e já foi discutido anteriormente no Senado. A instituição do mercado de carbono é uma das vertentes do Plano de Transformação Ecológica, elaborado pelo Ministério da Fazenda.
Os especialistas consultados pela ConJur apontam como um dos pontos críticos do PL a exclusão da agropecuária das obrigações de reportar emissões anualmente, submeter plano de monitoramento e fazer a conciliação periódica de obrigações no SBCE.
De acordo com Glaucia Savin, advogada especialista em gestão ambiental que já atuou na Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, na Comissão de Meio Ambiente da OAB-SP e na Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), isso compromete a eficácia do mercado de carbono como um todo. “Deixar a agropecuária fora cria uma lacuna regulatória que enfraquece o sistema e desincentiva mudanças estruturais nesse setor. Além disso, o tratamento desigual entre setores pode comprometer a legitimidade do mercado perante a sociedade e investidores globais.”
A agropecuária é responsável por 25% das emissões de gases estufa no Brasil, conforme ressalta Gabriel Wedy, juiz federal e mestre em Direito Ambiental. “Existem hoje cerca de 110 milhões de hectares de pastagens degradadas e pouco produtivas cultivadas de modo não sustentável. Não raras vezes, essa atividade é praticada de modo casado com o desmatamento e com queimadas”, destacou ele.
Desmatamento
O trecho do PL que fala sobre Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) é confuso, de acordo com instituições como o Observatório do Clima. Ele permite, por exemplo, que o produtor rural que tenha desmatado ilegalmente tire sua propriedade da contabilidade nacional e gere créditos.
Áreas de desmatamento ilegal podem ser incluídas no sistema se forem instituídos mecanismos de recuperação e manutenção da preservação, de acordo com os especialistas, mas o texto gera confusão nesse ponto. Talden Farias, advogado e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental, defende que a redação deve ser aperfeiçoada.
“Quem desmatou de forma irregular não pode receber o mesmo tratamento normativo de quem agiu dentro da legalidade. São necessários critérios claros e rigorosos para evitar ambiguidades e fraudes, além de um monitoramento robusto.”
Para Gabriel Wedy, seria também importante envolver diretamente órgãos estatais, institutos de preservação ambiental e até mesmo as universidades, em virtude da expertise técnica dos pesquisadores.
A agropecuária não está imune ao sistema de responsabilidades estabelecido pela legislação ambiental brasileira, conforme aponta Ingo Sarlet, advogado e professor titular da Escola de Direito da PUC-RS.
“O PL apenas buscou excluir a referida atividade da regulamentação jurídica estabelecida no âmbito do SBCE. Ainda assim, é possível discutir a aplicação das categorias jurídicas e obrigações trazidas pelo PL à atividade agropecuária, haja vista a necessidade de compreensão e interpretação do sistema jurídico no seu conjunto”, afirmou ele.
“A exclusão se deu, resumidamente, por grandes dificuldades técnicas de medição de emissões no setor. Em razão dessas dificuldades, o setor do agronegócio não tem sido incluído em outros mercados regulados que já existem no mundo”, comenta Natascha Trennepohl, advogada e doutora em regulação do mercado de carbono. Sarlet lembra que o REDD+ ainda será objeto de regulamentação por decreto. “Não me parece compatível o beneficiamento de desmatadores ilegais e a possibilidade de comercialização de créditos de carbono por proprietários rurais em situação irregular e desacordo com legislação ambiental.”
Falta participação
Outro ponto frágil do PL, segundo os estudiosos do assunto, é o artigo que estabelece a Câmara de Assuntos Regulatórios, composta por membros dos setores regulados e por integrantes do Legislativo. “Não parece adequada uma composição formada exclusivamente pelos setores regulados. O Direito Ambiental é regido pela participação, princípio que deve reger as políticas públicas de meio ambiente em todas as suas instâncias e momentos”, diz Talden Farias.
Ademais, o artigo parece ferir a separação de poderes, pois a criação de órgãos regulatórios cabe ao Executivo, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. “O STF já visitou o tema dos direitos ambientais de participação no julgamento da ADPF 623. Além disso, a respeito da participação da comunidade científica e cientistas, os deveres de proteção climática do Estado e o princípio de reverência à ciência, conforme visto na ADPF 651, tornam imperativa a adoção de medidas e decisões legislativas, administrativas e judiciais, ademais de regulatórias em geral, baseadas em evidências científicas apontadas por instituições e órgãos de notório prestígio científico”, acrescenta Sarlet.
A presença de legisladores na câmara, para os advogados, é inadequada por se tratar de um órgão do Executivo. “A inclusão de parlamentares pode abrir brechas para a defesa de interesses setoriais, como o do agronegócio, em detrimento do bem público. Caso se admitisse a presença de um representante do Legislativo, em respeito à separação de poderes, este deveria participar sem direito de voto”, opina Glaucia Savin.
Terras indígenas, tradicionais e quilombolas
Entidades representativas de povos indígenas, tradicionais e quilombolas não foram consultadas para a elaboração do PL, o que vai contra a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além disso, foram estabelecidas porcentagens mínimas de repasse dos créditos de projetos de desenvolvimento nessas terras, o que é considerado crítico por alguns especialistas tanto pela falta de consulta quanto pelo valor da porcentagem.
O texto da OIT diz que é obrigatória a consulta prévia, livre e informada antes de qualquer decisão que afete territórios indígenas e tradicionais. O artigo 47 do PL estabelece o mínimo de 50% dos créditos de carbono decorrentes de projetos de remoção de gases de efeito estufa e 70% dos créditos decorrentes de projetos de REDD+, o que leva alguns especialistas a crer que a lei garante um lucro indevido às empresas desenvolvedoras de projetos sobre os direitos dos povos e comunidades.
“Pessoalmente, concordo com a crítica de que o modelo atual beneficia mais as instituições desenvolvedoras. Para uma divisão mais justa, deveria ser garantido um retorno proporcional às comunidades indígenas, de preferência acima de 50% dos lucros dos projetos desenvolvidos em suas terras”, diz Glaucia.
Para Wedy, a porcentagem é irrisória. “Temos de observar que os indígenas são a cultura viva do país e o braço da nação na proteção ambiental e do sistema climático”, diz o juiz. Sarlet, por outro lado, lembra que essas porcentagens são mínimas, e não fixas. “Vale como um piso mínimo, não impedindo a fixação de percentuais maiores, a depender de cada caso. Ademais, o consentimento livre, prévio e informado, nos termos da Convenção 169 da OIT, está expressamente previsto no artigo 47, salvaguardando direitos dos povos indígenas e tradicionais, bem como a retribuição justa e equitativa derivada da comercialização de créditos de carbono.”
Para Farias, o dispositivo teria uma abordagem mais justa se fossem estabelecidos critérios que priorizassem o retorno direto às comunidades. Para reforçar a legitimidade do mecanismo, seria preciso também limitar os lucros das instituições intermediárias e garantir que a maior parte dos recursos beneficiasse os povos indígenas._
Governos não podem usar dívidas para compensar precatórios, diz maioria do STF
Quando a Fazenda Pública usa dívidas de uma pessoa ou empresa para compensar precatórios devidos a ela, há violação a princípios constitucionais, como a efetividade da jurisdição, a coisa julgada material, a separação dos poderes e a isonomia entre o poder público e o particular.
FreepikCédulas de dinheiro e moedas
Ministros entenderam que Fazenda ganha vantagem sobre contribuintes ao compensar precatórios com dívidas
Esta tese foi alcançada pela maioria do Plenário do Supremo Tribunal Federal em julgamento de repercussão geral. O fim da sessão virtual está previsto para esta terça-feira (26/11).
O uso de dívidas com a Fazenda na compensação de precatórios é previsto pelos parágrafos 9º e 10º do artigo 100 da Constituição, incluídos pela Emenda Constitucional 62/2009.
De acordo com os dispositivos, se o credor dos precatórios tiver débitos com o Fisco, tais valores devem ser descontados do total estipulado pela Justiça. A Fazenda tem 30 dias para informar a existência das dívidas.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região considerou inconstitucionais tais regras e impediu a compensação de precatórios de uma empresa industrial com seus débitos. O caso chegou ao STF por meio de recurso do governo federal, que defende a validade dos parágrafos.
Voto do relator
A tese vencedora foi proposta pelo relator do caso, ministro Luiz Fux. Até o momento, ele foi acompanhado por Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, André Mendonça e Dias Toffoli.
O relator se baseou no julgamento em que o STF definiu a inconstitucionalidade de boa parte da EC 62/2009, incluindo a “sistemática de compensação unilateral de precatórios” (ADI 4.357 e ADI 4.425).
Segundo o magistrado, a discussão não era sobre compensação de créditos inscritos em precatórios, pois isso é um “instrumento de justiça e de eficiência na disciplina das relações obrigacionais”. O problema era a validade da compensação feita de forma unilateral e “em proveito exclusivo da Fazenda Pública”, considerada inadequada.
Fux ressaltou que, embora haja um custo elevado para a Fazenda ajuizar execuções fiscais e a compensação possa evitar isso, o custo de propor ações contra o Estado também é elevado, “tanto para o indivíduo litigante quanto para a sociedade em geral”.
Na sua visão, não há justificativa plausível para que apenas a administração pública possa compensar seus débitos com créditos. “A medida deve valer para credores e devedores públicos e privados, ou acaba por configurar autêntico privilégio odioso”, assinalou._
Posição do STJ sobre impenhorabilidade de até 40 salários ameaça mínimo existencial
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1.235, estabeleceu a tese de que a impenhorabilidade de depósitos ou aplicações financeiras no valor de até 40 salários mínimos não é matéria de ordem pública e, portanto, não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz.
STJ mudou sua posição sobre a impenhorabilidade de até 40 salários mínimos
A controvérsia gira em torno dos artigos 833 e 854 do Código de Processo Civil. O primeiro estabelece que é impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de 40 salários mínimos, enquanto o segundo determina um rito para que o devedor afaste o bloqueio, que inclui o prazo de cinco dias para provar que se trata de verba impenhorável.
A relatora da matéria, ministra Nancy Andrighi, defendeu que a impenhorabilidade da verba de até 40 salários mínimos é regra de direito disponível do executado e que, por isso, não tem natureza de ordem pública. Esse entendimento prevaleceu no colegiado.
A decisão se deu sob o rito dos recursos repetitivos e representa uma mudança de jurisprudência da corte, que até então era no sentido de que caberia ao juiz decretar de ofício a impenhorabilidade de valores de até 40 salários mínimos em contas correntes e aplicações financeiras.
Segundo especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, na mesma medida em que o novo entendimento agiliza a recuperação de créditos, também fragiliza o direito do devedor ao mínimo existencial.
Situação de vulnerabilidade
João Pedro Ramos Garcia, advogado do escritório Ballstaedt Gasparino Advogados, sustenta que a decisão do STJ obriga o devedor a reivindicar a impenhorabilidade para proteger seus recursos essenciais. Ele também alerta que a nova posição da corte não levou em conta que pode existir um desequilíbrio entre as partes, já que credores geralmente têm mais recursos e acesso a suporte legal, enquanto os devedores podem estar em situação de vulnerabilidade.
“Em resumo, ao não prever salvaguardas automáticas para proteger o mínimo existencial do devedor, a decisão pode, de fato, limitar essa garantia, expondo-o a riscos que afetam sua sobrevivência e dignidade.”
Daniela Poli Vlavianos, do escritório Poli Advogados & Associados, segue a mesma linha. Segundo ela, na prática, ao depender de uma manifestação do devedor para que a impenhorabilidade seja reconhecida, a decisão judicial pode implicar a privação temporária de recursos essenciais, até que o devedor consiga apresentar defesa no processo e obtenha uma resposta judicial.
“Caso o devedor precise esperar pela tramitação do processo para obter a liberação de valores fundamentais à sua sobrevivência, ele fica vulnerável à morosidade do sistema judicial e à própria complexidade procedimental. Em outras palavras, o devedor pode passar semanas ou até meses sem acesso a esses recursos, enquanto seu pedido aguarda análise, o que gera um impacto direto em seu direito fundamental de manter um padrão mínimo de dignidade.”
Thiago Hamilton Rufino, da banca Rufino Advocacia, defende, por sua vez, que o entendimento do STJ vai no sentido contrário do legislador, que na redação do artigo 833 do CPC buscou garantir ao cidadão em dificuldades o mínimo para o custeio de despesas básicas.
“A decisão do STJ, ao não permitir ao juiz reconhecer de ofício a impenhorabilidade, é um retrocesso. Isso porque muitos devedores não conseguem pagar suas dívidas por condições adversas, tais como problemas familiares, desemprego ou questões de saúde.”
Direito do credor
Se por um lado a decisão do STJ pode comprometer o mínimo existencial dos devedores, ela também garante mais celeridade à satisfação de créditos. Renata Cavalcante de Oliveira, sócia da área de recuperação de crédito do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, defende que foi um acerto estabelecer que a impenhorabilidade de saldo inferior a 40 salários mínimos da poupança não deve ser reconhecida de ofício. “Isso porque o artigo 833 do Código de Processo Civil, que trata da impenhorabilidade, não faz nenhuma menção sobre ser matéria de ordem pública. Desse modo, a lei expressamente atribui ao devedor a incumbência de provar a impenhorabilidade do bem constrito, concedendo, inclusive, prazo para que o faça, sob pena de preclusão.”
Renata sustenta que entender o artigo 833 de modo diverso seria inovar na interpretação da lei, uma vez que o devedor não só pode alegar a impenhorabilidade dos valores constritos em poupança, quando se tratar de penhora de até 40 salários mínimos, como também pode não fazê-lo. “Trata-se de uma faculdade do devedor, que pode escolher renunciar ao seu direito, caso queira extinguir uma dívida em seu nome. Não cabe ao juiz advogar em prol do devedor. Trata-se de um avanço para quem atua na área de recuperação de crédito.”
Por fim, Ariane Cristina Bellio, especialista em recuperação de créditos do escritório Benício Advogados, diz que a decisão do STJ é fundamental para facilitar a recuperação de créditos, já que será exigido do executado que ele comprove que os valores localizados em suas contas ou previdência privada não podem ser destinados ao pagamento de dívidas de caráter não alimentar.
“Essa orientação promove segurança jurídica, assegura celeridade e eficácia aos processos executivos e protege o direito dos credores em buscar o cumprimento efetivo de suas garantias.”_
Posição do STJ sobre impenhorabilidade de até 40 salários ameaça mínimo existencial
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1.235, estabeleceu a tese de que a impenhorabilidade de depósitos ou aplicações financeiras no valor de até 40 salários mínimos não é matéria de ordem pública e, portanto, não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz.
STJ mudou sua posição sobre a impenhorabilidade de até 40 salários mínimos
A controvérsia gira em torno dos artigos 833 e 854 do Código de Processo Civil. O primeiro estabelece que é impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de 40 salários mínimos, enquanto o segundo determina um rito para que o devedor afaste o bloqueio, que inclui o prazo de cinco dias para provar que se trata de verba impenhorável.
A relatora da matéria, ministra Nancy Andrighi, defendeu que a impenhorabilidade da verba de até 40 salários mínimos é regra de direito disponível do executado e que, por isso, não tem natureza de ordem pública. Esse entendimento prevaleceu no colegiado.
A decisão se deu sob o rito dos recursos repetitivos e representa uma mudança de jurisprudência da corte, que até então era no sentido de que caberia ao juiz decretar de ofício a impenhorabilidade de valores de até 40 salários mínimos em contas correntes e aplicações financeiras.
Segundo especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, na mesma medida em que o novo entendimento agiliza a recuperação de créditos, também fragiliza o direito do devedor ao mínimo existencial.
Situação de vulnerabilidade
João Pedro Ramos Garcia, advogado do escritório Ballstaedt Gasparino Advogados, sustenta que a decisão do STJ obriga o devedor a reivindicar a impenhorabilidade para proteger seus recursos essenciais. Ele também alerta que a nova posição da corte não levou em conta que pode existir um desequilíbrio entre as partes, já que credores geralmente têm mais recursos e acesso a suporte legal, enquanto os devedores podem estar em situação de vulnerabilidade.
“Em resumo, ao não prever salvaguardas automáticas para proteger o mínimo existencial do devedor, a decisão pode, de fato, limitar essa garantia, expondo-o a riscos que afetam sua sobrevivência e dignidade.”
Daniela Poli Vlavianos, do escritório Poli Advogados & Associados, segue a mesma linha. Segundo ela, na prática, ao depender de uma manifestação do devedor para que a impenhorabilidade seja reconhecida, a decisão judicial pode implicar a privação temporária de recursos essenciais, até que o devedor consiga apresentar defesa no processo e obtenha uma resposta judicial.
“Caso o devedor precise esperar pela tramitação do processo para obter a liberação de valores fundamentais à sua sobrevivência, ele fica vulnerável à morosidade do sistema judicial e à própria complexidade procedimental. Em outras palavras, o devedor pode passar semanas ou até meses sem acesso a esses recursos, enquanto seu pedido aguarda análise, o que gera um impacto direto em seu direito fundamental de manter um padrão mínimo de dignidade.”
Thiago Hamilton Rufino, da banca Rufino Advocacia, defende, por sua vez, que o entendimento do STJ vai no sentido contrário do legislador, que na redação do artigo 833 do CPC buscou garantir ao cidadão em dificuldades o mínimo para o custeio de despesas básicas.
“A decisão do STJ, ao não permitir ao juiz reconhecer de ofício a impenhorabilidade, é um retrocesso. Isso porque muitos devedores não conseguem pagar suas dívidas por condições adversas, tais como problemas familiares, desemprego ou questões de saúde.”
Direito do credor
Se por um lado a decisão do STJ pode comprometer o mínimo existencial dos devedores, ela também garante mais celeridade à satisfação de créditos. Renata Cavalcante de Oliveira, sócia da área de recuperação de crédito do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, defende que foi um acerto estabelecer que a impenhorabilidade de saldo inferior a 40 salários mínimos da poupança não deve ser reconhecida de ofício. “Isso porque o artigo 833 do Código de Processo Civil, que trata da impenhorabilidade, não faz nenhuma menção sobre ser matéria de ordem pública. Desse modo, a lei expressamente atribui ao devedor a incumbência de provar a impenhorabilidade do bem constrito, concedendo, inclusive, prazo para que o faça, sob pena de preclusão.”
Renata sustenta que entender o artigo 833 de modo diverso seria inovar na interpretação da lei, uma vez que o devedor não só pode alegar a impenhorabilidade dos valores constritos em poupança, quando se tratar de penhora de até 40 salários mínimos, como também pode não fazê-lo. “Trata-se de uma faculdade do devedor, que pode escolher renunciar ao seu direito, caso queira extinguir uma dívida em seu nome. Não cabe ao juiz advogar em prol do devedor. Trata-se de um avanço para quem atua na área de recuperação de crédito.”
Por fim, Ariane Cristina Bellio, especialista em recuperação de créditos do escritório Benício Advogados, diz que a decisão do STJ é fundamental para facilitar a recuperação de créditos, já que será exigido do executado que ele comprove que os valores localizados em suas contas ou previdência privada não podem ser destinados ao pagamento de dívidas de caráter não alimentar.
“Essa orientação promove segurança jurídica, assegura celeridade e eficácia aos processos executivos e protege o direito dos credores em buscar o cumprimento efetivo de suas garantias.”_